Sim, acredite se quiser, o Brasil vive um paradoxo no setor de energia limpa, pois apesar de possuir uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo e ser o terceiro país que mais instalou capacidade eólica e solar em 2024, a indústria nacional de energia renovável enfrenta sua pior crise desde o início dos anos 2000.
Entre os principais problemas estão a falta de infraestrutura de transmissão e as mudanças regulatórias que reduziram drasticamente o ressarcimento por cortes de produção impostos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico.
A crise expõe gargalos estruturais do país, pois a maior parte da geração eólica e solar está no Nordeste, mas o principal mercado consumidor está no Sudeste, e como não há linhas de transmissão suficientes para escoar o excedente, a produção é limitada, especialmente durante o dia, quando há maior geração solar.
O ONS começou a impor cortes na produção em 2020, com a pandemia. Após um apagão em 2023 que teve entre suas causas a intermitência de renováveis, as restrições foram ampliadas. A tendência, segundo relatório recente do ONS, é de aumento desses cortes até 2029, à medida que novas usinas entrarem em operação sem que a infraestrutura de transmissão acompanhe.
Esse cenário afeta a previsibilidade de receita de usinas solares e eólicas, que perdem parte da produção gerada e, portanto, faturam menos. Até 2023, essas perdas eram integralmente ressarcidas via tarifa de energia, ou seja, o risco do empreendimento era pago pelo consumidor, o que não é justo.
Atualmente, uma nova regulação da Aneel permite a recuperação de, no máximo, 3% das perdas, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Embora veículos elétricos tenham zero emissão, seu benefício climático real depende da origem da eletricidade usada na recarga, e com a produção e distribuição eficiente da energia renovável esse ideal poderia ser alcançado, mas atualmente é subaproveitada, e pode afetar diretamente o avanço da mobilidade elétrica no Brasil, e pior, pode abrir espaço para o acionamento de usinas termelétricas, que têm custo de produção de energia mais elevado e são mais poluentes.
A estagnação atual pode atrasar investimentos em armazenamento, como baterias, e impactar também o custo da energia em horários noturnos, quando veículos elétricos são carregados em maior volume. De um lado, há bilhões já investidos em novas usinas renováveis, de outro, os gargalos de transmissão podem levar até dez anos para serem resolvidos.
Não pode deixar de ser mencionado que o Brasil também desperdiça uma grande parte do gás natural que produz, principalmente por meio da reinjeção nos reservatórios de petróleo, só em maio de 2025, o país reinjetou 55,5% de todo o gás natural produzido, cerca de 95,5 milhões de m³ por dia, o que ocasiona menor oferta interna de gás natural para a indústria e geração elétrica e preços mais elevados para o consumidor final, ao custo do desperdício do recurso, em virtude de falta de infraestrutura de escoamento e armazenagem da produção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário