Enredo: Guajupiá, Terra Sem Males
"IRIN-MAGÉ, PAJÉ DO MEL, POVOADOR DA TERRA…
Todas as bênçãos criadas por Monã (o Deus dos Tupinambás)
trariam felicidade e contentamento a todos os seres aqui existentes,
menos para o homem. Insurgentes, desprezaram tudo o que generosamente
lhes fora dado.
Então veio castigo. O fogo desceu do céu e destruiu tudo sobre a
terra. Apenas um homem considerado digno, foi poupado desse castigo. Seu
nome era Irin-Magé.
Levado para o céu ele, aos prantos, diz à Monã, que seria difícil
viver sem pares nesse imenso vazio. Comovido, Monã reverte a situação, e
fez com que caísse um dilúvio sobre a terra. Dessa água surgiram os
oceanos, os rios e tudo frutificou.
Monã então deu a Irin-Magé uma mulher e o mandou de volta à terra
para que ele a repovoasse de homens melhores. Dentre os muitos de seus
filhos, nasce um em especial que se tornaria o grande guru, o grande
karaíba, “o profeta transformador”, chamado Maíramûana.
Familiar de Monã, Maíramûana aprendera a arte de transformar tudo o
que quisesse de acordo com sua vontade nas mais diversas formas; de
animais, pássaros, peixes e para punir os homens podia transformá-los
também ao seu bel-prazer.
É esse profeta-guru, dotado de poderes e conhecimentos
“sobrenaturais” e misteriosos, quem ensinará todas as práticas sagradas,
todos os costumes e regras da organização social das tribos tupinambás.
BAÍA DA GUANABARA, NOSSO GUAJUPIÁ
Na beleza do azul sobre o azul, da calma sobre a calma, um curso
d’água serpenteia num vale de árvores verdes e frondosas. Em todas as
direções a floresta é vívida. Há que se fiar no Sol, a luz é cultivada e
tudo deve ser puro.
O rio é o caminho, é sagrado, tem peixe, tem marisco. As aves voam
livres, colorindo o céu. Temos tudo ao alcance das mãos, água de beber,
de lavar e de se banhar. Vivemos a vida em profunda gratidão.
Mas além de pescar e caçar, somos também bravos guerreiros. Só
aqueles que enfrentam a morte, sem medo, conseguem encontrar o Guajupiá.
Os tupinambás representavam esse paraíso como um lugar idílico,
recoberto de flores e regado por um maravilhoso rio, em cujas margens
viam-se enormes árvores.
E nenhum lugar poderia ser tão igual ao imaginado Guajupiá eterno do que um Rio de Janeiro ainda virgem.
NASCE UM KARIÓKA
Chemembuira rakuritim, chemebuira rakuritim (eu já vou parir, eu já vou parir)
Nasce um tupinambá. Ritos e tradições serão seguidos, para assegurar
bons presságios. Unhas de onça e garras de águia, ornarão o berço-rede,
para garantir que nada de mal lhe aconteça.
Pai, mãe, filhos, avós, tios, tias, primos e primas, se juntam, está
formada a maloca, a casa coletiva da tribo. Cercando o okara (grande
quintal) se construía uma taba. Karióka, a lendária taba tupinambá,
surge majestosa à esquerda da paradisíaca baía de kûánãpará.
O homem roçava a terra, plantava, fabricava canoas, arcos, flechas,
tacapes, adornos de penas multicoloridas. Eram eles os responsáveis pela
segurança das tabas. E sua função primordial era a de ensinar a arte da
guerra.
Às mulheres eram imputadas as rígidas tradições e responsabilidades
tribais, cuidavam da horta, participavam da pesca, fiavam algodão,
teciam redes, fitas para amarrar nos cabelos e faixas para amarrar as
crianças, trançavam cestos em junco e vime, manuseavam o barro para
produzir panelas, vasilhas e potes, e mantinham acesos os dois fogos
junto a rede do chefe da família. Eram o sustentáculo para o “esforço de
guerra” tão cultivado pelo tupinambás.
Aos mais velhos cabiam repassar oralmente as histórias, o saber, e as
orientações do que deveriam fazer, aos ainda jovens, em cada fase de
sua vida.
Os tupinambás acreditavam que o homem tinha duas substâncias
essenciais: uma eterna e outra transitória e ambas, o corpo e a alma,
estavam ligadas.
KAÛÍ, A BEBIDA “DOS DEUSES”
Ó vinho, ó bom vinho! Jamais existiu outro igual!
Ó vinho, ó bom vinho! Vamos beber à vontade.
Ó vinho, ó bom vinho! Ó bebida que não dá preguiça!
Ó vinho, ó bom vinho! Vamos beber à vontade.
Ó vinho, ó bom vinho! Ó bebida que não dá preguiça!
Peguem as canoas! Passem pelas tabas: Yaberica – a aldeia maracanã, a
do Peixe Pirá, de Eiraiá – atual Irajá – e sigam em direção a Guirá
Guaçu, a aldeia com nome de águia, porque a festa vai começar!
Ao som dos marakás, chocalhos, flautas, tambores, pífanos e apitos,
cantamos e dançamos. Tem que ter Kaûi ou Cauim, o licor sagrado que
tanto adoramos.
A bebida era feita de raízes e frutos. As propriedades inebriantes do
cauim eram feitas pela mastigação, e esse processo era considerado
místico. Só mulheres, as mais lindas e puras, podiam participar da
fabricação do “vinho”. Os tupinambás eram beberrões respeitados e era
difícil acompanha-los. A festa poderia durar vários dias, enquanto
houvesse bebida, porque disposição para consumi-la não faltaria.
… E todas as bênçãos criadas por Monã (o Deus dos Tupinambás) trariam
felicidade e contentamento a todos os seres aqui existentes, menos para
o homem. Insurgentes desprezaram tudo o que generosamente lhes fora
dado. Então veio castigo…
Um Rio teve que acabar para que outro pudesse surgir. Como poderia
ter sido se tivéssemos respeitado a diversidade étnico-cultural?
Enterrada no esquecimento perdemos o elo com nossa ancestralidade
primal, perderam eles, perdemos nós, absurdamente privados dessa
experiência!"
Fonte: https://www.srzd.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário