Negado pedido de hábeas corpus apresentado pelos policiais do Core acusados de abuso de poder contra um juiz federal O juiz federal convocado Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, da 1ª Turma Especializada do TRF-2ª Região, negou no dia 18 de fevereiro o pedido de habeas corpus (HC) apresentado pelos policiais da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), do Rio de Janeiro, que prenderam o juiz federal Roberto Dantes Schuman de Paula, na noite do domingo para a segunda-feira de carnaval. Os policiais civis CCVM, MCJ e BFC foram denunciados pelo Ministério Público Federal pelos crimes de abuso de autoridade, violência arbitrária e desacato. O acusado CCVM responderá também por calúnia, porque já na 5ª DP, para o onde o juiz foi levado, o policial acusou o magistrado de ter cometido abuso de autoridade. No HC, eles pediram, liminarmente, a suspensão do processo penal que tramita na 7ª Vara Federal do Rio, até o julgamento do mérito do próprio HC. Com isso, eles pretendiam impedir a realização da audiência em que seriam ouvidos pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal, marcada para o dia 19 de fevereiro. Os réus também levantaram uma questão de competência, afirmando que o caso deveria ser submetido ao Juizado Especial Estadual. Os três estão afastados de suas funções por determinação judicial. Segundo o juiz federal Roberto de Paula, ele estaria caminhando pela rua enquanto falava ao celular quando o carro em que estavam os acusados, que trafegaria com os faróis apagados, teria buzinado. Com o susto, o juiz teria saltado para a calçada e, em seguida, pedido desculpa aos agentes da Polícia Civil. Mesmo assim, os acusados o teriam chamado de malandro e bêbado. Como o juiz teria se queixado dessa atitude, os policiais o algemaram. O magistrado, já na viatura, teria perguntado a razão da prisão e teria recebido como resposta de um dos policiais que "até a delegacia a gente inventa, se é que vamos levá-lo para lá mesmo". Na denúncia, o MPF sustenta que a prisão teria sido ilegal, por ter ocorrido sem flagrante delito e sem mandado judicial, além de ter sido efetuada com truculência e uso excessivo de força. Ainda segundo o MPF, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) estabeleceria que juízes não podem ser presos sem ordem escrita do Tribunal que integrarem, a não ser em caso de flagrante, por crime inafiançável. Em sua decisão no HC, o juiz federal Aluísio Mendes entendeu que não há no pedido o fumus boni iuris (em latim, fumaça do bom direito, que existe quando o juízo constata a plausibilidade do direito alegado), requisito necessário para a concessão de qualquer liminar. Para o magistrado, a aceitação da denúncia pela Justiça Federal foi devidamente fundamentada, como exige a lei. Entre várias fundamentações, o relator do pedido também ressaltou que não ficou demonstrada a existência do outro pressuposto indispensável para que seja concedida a liminar, ou seja, o periculum in mora (perigo da demora, o risco de que a eventual lentidão para o julgamento do mérito da ação acabe causando um dano irreparável para o acusado). O juiz Aluísio Mendes destacou que a simples existência da ação criminal não quer dizer que os réus estejam correndo perigo de perder a liberdade: "o fato de os pacientes estarem submetidos a um processo criminal faz deles, na verdade, inocentes a quem é devido um processo legal no qual o MPF deverá infirmar a presunção de inocência, havendo como contratempo, apenas, o dever de comparecimento para os atos processuais, quando intimados", afirmou o relator, que ainda lembrou que o interrogatório possibilitará aos réus apresentarem suas defesas, apresentando suas próprias versões dos fatos.
Proc. 2008.02.01.002399-4
Vejam o inteiro teor da denúncia referente ao caso da prisão do Juizfederal:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ª VARA FEDERAL DA SEDE DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Ref.: Proc. nº 1.30.011.000537/2008-11
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que sesubscrevem, vem, com fundamento nas informações em anexo, oferecer D E N Ú N C I A contra CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA, policial civil, matrícula 889.162-4, lotado na Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro;MARCELO COSTA DE JESUS, policial civil, matrícula 888.1705-1, lotado naCoordenadoria de Operações e Recursos Especiais da Polícia Civil doEstado do Rio de Janeiro, e BERNADILSON FERREIRA DE CASTRO, policial civil, matrícula 889.131-9, lotado na Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro; pelos fatos que passa a expor:No dia 4 de fevereiro de 2008, por volta das 22h30m, na AvenidaRepública do Paraguai, Lapa, nesta cidade, os denunciados, agindo comvontade e consciência, em unidade de desígnios e pluralidade decondutas, prenderam o Juiz Federal Roberto Dantes Schuman de Paula semque ele estivesse em flagrante delito de crime inafiançável e semrespaldo em mandado judicial.Os denunciados trafegavam na viatura VTR 67/8966, uma GM/Blazer preta,com faróis apagados, por uma agulha de acesso entre vias, quando sedepararam com o Juiz Federal, que cruzava a pé a pista de rolamento daagulha. Como o Juiz Federal tardou em perceber a aproximação daviatura, o denunciado MARCELO DE COSTA JESUS, que a conduzia,dirigiu-lhe brado impróprio de alerta: "ô, maluco!", a que ele nãorespondeu.Os denunciados passaram a seguir, em baixa velocidade, no encalço doJuiz Federal, havendo o denunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA ochamado e advertido, de dentro da viatura, por suposta falta deatenção. A linguagem de ambas as intervenções foi desabrida; o chamadofoi vertido como "ô, bêbado! ô, malandro!", e a advertência como "ô,bêbado, ô, malandro, toma cuidado, porra!". O Juiz Federal voltou-separa a viatura e, em tom de indignação, mas sem excessos lingüísticos,refutou as ofensas, indicando que a linguagem dos denunciados não eraadequada e observando que, salvo se estivessem executando operação, eles não tinham autorização para trafegar com as lanternas apagadas, oque ocasionava risco de atropelamento. Os denunciados desembarcaram, então, da viatura e – porque o JuizFederal fizera menção de pegar seu telefone celular – sacaram pistolase lhe ordenaram que tirasse a mão do bolso, ou atirariam. O denunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA deu, em seguida, com respaldo ecobertura dos outros dois denunciados, voz de prisão ao Juiz Federal,sem informá-lo do crime que estaria praticando nem de seus direitosconstitucionais, e o algemou, embora não houvesse encontradoresistência em executar a captura. O Juiz Federal indagou sobre o crimeem que teria incorrido, havendo o denunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DAMOUTA respondido que ele estava preso por desacato. O Juiz Federalperguntou o que em sua conduta haviam entendido como desacato, e odenunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA respondeu com a insinuaçãode que ele não cometera crime e poderia ser conduzido a outro lugar quenão uma repartição policial: "ô, malandro, se a gente te levar até aDP, até lá a gente inventa".O Juiz Federal revelou, diante disso, com propósito de defesa de suaintegridade pessoal e suas prerrogativas, sua condição de autoridadejudiciária, indicando que seu cartão de identidade funcional seencontrava dentro de sua carteira de dinheiro e solicitando aosdenunciados que a examinassem. O denunciado CRISTIANO CARVALHO VIEGA DAMOUTA pegou a carteira de dinheiro do Juiz Federal e, sem abri-la,guardou-a consigo, escarnecendo da informação: "juiz federal é ocaralho!"; estrangulou, então, com violência aviltante e arbitrária, aalgema aplicada ao pulso esquerdo da autoridade judiciária. Os outrosdois denunciados não apenas deram cobertura logística a essas condutas,como delas riam copiosamente, instigando sua prática.Esgotada a interlocução, os denunciados BERNADILSON FERREIRA DE CASTRO e MARCELO COSTA DE JESUS usaram de violência arbitrária para pôr o Juiz Federal no habitáculo de custódia da viatura, havendo o primeiro abertoa porta e o segundo o empurrado de modo repentino e truculento paradentro, sem antes dar-lhe ordem de que o fizesse por sua própriainiciativa. O Juiz Federal caiu, em conseqüência, deitado de lado noassoalho do habitáculo. Observa-se que a Lei nº 4.898/65 não revogou oart. 322 do Código Penal, conforme a jurisprudência do Supremo TribunalFederal (HC 63.62/GO; Segunda Turma; Min. Francisco Rezek; DJ25-04-1986; RE 73.914/SP; Primeira Turma; Min. Oswaldo Trigueiro; DJ11-08-1972).Com a viatura já em movimento, o Juiz Federal alertou os denunciados deque estavam cometendo crime. Em resposta, o denunciado CRISTIANOCARVALHO VEIGA DA MOUTA, tratando-o pela primeira vez como autoridadejudiciária, proferiu as seguintes palavras: "se tu for mesmo juiz, agente vai te foder, a gente vai chamar a imprensa, porque juiz federalnão pode andar por aí com esse chapéu de palha, igual a um malandro!".Os outros dois denunciados, que riam à guisa de concordância com seucolega, não impugnaram o uso do plural. Ao se arrogarem a condição depolícia de costumes das autoridades judiciárias federais e declararem,em linguagem ofensiva e desabrida, que o Juiz Federal estaria trajadode modo incondizente com a judicatura federal, os denunciados ohumilharam – e, pois, desacataram – em razão de sua função pública, comfinalidade específica de fazê-lo.Os denunciados acabaram por conduzir o Juiz Federal à 5ª Delegacia dePolícia Civil, onde ele, ainda algemado, no intuito de identificar-se àautoridade policial de plantão, caminhou até uma pequena passagem para aárea reservada da repartição, levantou a corrente que guardava, cruzou apassagem e repôs a corrente em seu lugar. Diante da iniciativa do JuizFederal, o denunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA passou, em vozalta, diante de ao menos três ou quatro pessoas presentes no saguão dadelegacia, a imputar-lhe falsamente, com dolo de ofendê-lo, crime de dano ao patrimônio público e/ou exercício arbitrário das própriasrazões, que classificou oralmente como abuso de autoridade. Ele irrogoua imputação nos seguintes termos: "olha lá, olha lá, o juiz tá quebrandoa corrente e tá invadindo a delegacia, o juiz tá cometendo abuso deautoridade".Ainda na Delegacia de Polícia, ao perceber a determinação do JuizFederal de não deixar impunes os crimes de que fora sujeito passivodireto ou indireto, o denunciado MARCELO COSTA DE JESUS dele seaproximou, no interior da delegacia, e, tratando-o por "excelência",pediu desculpas. Perguntou, então, à guisa de súplica, se tudo nãopoderia "ficar por isso mesmo", sugerindo que o Juiz Federal prestassedeclaração falsa à autoridade policial de plantão, a fim de alterar averdade sobre fatos penalmente relevante, ou determinasse a omissão delavratura de registro ou termo de ocorrência, a fim de satisfazerinteresse pessoal. O Juiz Federal repudiou as desculpas e a súplica.Ante o ocorrido, foi lavrado na 5ª Delegacia de Polícia Civil destaCidade termo circunstanciado de ocorrência nº 005-01175/2008, em que oJuiz Federal figura como autor do fato tipificado no art. 331 do CódigoPenal. A descrição que precede não aprofunda aspectos factuais da conduta dosdenunciados que denotam, ainda que sem relevância penal típica,acentuado desvalor moral, tais como o ar permanente de chacota eintimidação que os três ostentaram todo o tempo e as iniciativas dodenunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGA DA MOUTA de chamar a imprensa apretexto de noticiar prisão de juiz supostamente embriagado e de sereferir à mãe do Juiz Federal, a qual se dirigira à delegacia, em vozalta e na presença dela, como a "mãe do malandrinho".Os denunciados praticaram os crimes previstos no art. 4º, "a" e "b", daLei nº 4.898/65 pela prisão em suposto flagrante do Juiz Federal, quefoi ilegal nos seguintes aspectos:
(i) omissão, no ato da captura, de indicação espontânea do crimemotivador, de identificação dos responsáveis e de informação ao presosobre seus direitos;(ii) negativa sumária de fé, sem esforço de verificação, à condiçãofuncional argüida pelo preso, que o eximiria, na hipótese, da prisão emflagrante;(iii) tratamento vexatório a que foi submetido o preso na captura e nacondução à repartição policial, incluído o uso excessivo de algemas;(iv) uma vez admitida a condição funcional do preso, o que se deu aindana viatura, prosseguimento na privação de sua liberdade, em ofensa aprerrogativa legal da magistratura federal.Praticaram, ainda, em concurso os crimes previstos no art. 322 do CódigoPenal, pelo estrangulamento da algema no pulso esquerdo do Juiz Federale pelo empurrão que lhe aplicaram para dentro do habitáculo de custódiada viatura; e no art. 331 do Código Penal, por humilharem o Juiz Federalem sua dignidade funcional com a declaração de que seu traje o tornavaindigno da magistratura federal.O denunciado CRISTIANO CARVALHO VEIGADA MOUTA praticou, ademais, o crimeprevisto no art. 138 c/c o art. 141, II, do Código Penal, por imputarfalsamente ao Juiz Federal, diante de múltiplas pessoas, crime de danoao patrimônio público e/ou exercício arbitrário das próprias razões, que classificou oralmente como abuso de autoridade, a propósito de elehaver adentrado pacificamente e sem oposição a área reservada da 5ªDelegacia de Polícia Civil. Os crimes foram praticados em concurso material, tendo em vista que aseqüência delituosa não foi produto das circunstâncias, mas de opçãoindependente dos denunciados a cada desdobramento.Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer a citação dosdenunciados, para que respondam aos termos da ação penal ora proposta;e pleiteia, conforme o resultado da instrução criminal, o acolhimentoda pretensão punitiva ora deduzida, com a condenação dos denunciados às penas recomendadas por sua culpabilidade.Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 2008.