Coronavírus: 'Ilha dos milionários' em Miami que está testando todos os seus habitantes!
Dizem que uma imagem pode valer mais que mil palavras e, atualmente em Miami, parece haver dois retratos que refletem perfeitamente, a diferença existente no sistema de saúde da maioria dos países capitalistas, mas no caso, em especial no sistema dos Estados Unidos.
De um lado, há filas de veículos no estacionamento de um estádio em busca de um teste para o coronavírus, e de outro, uma ilha exclusiva onde mora a elite com uma clínica privada aberta somente para fazer testes rápidos para a Covid-19 em todos os seus residentes e funcionários, que são mais de 1.000 pessoas.
Há muitos detalhes que não são visíveis nessas imagens, como o fato de que os testes são diferentes nos dois lugares e cumprem diferentes funções. Mas ambas evidenciam a profunda desigualdade de acesso à saúde no país mais rico do mundo, mas que se repete, talvez em menor escala, na esmagadora maioria dos países capitalistas.
No meio de uma pandemia como a do coronavírus, ou mesmo nas epidemias de Sarampo, Zika, Dengue ou Tuberculose, como as que ocorrem no Brasil, tal diferença contribuir para determinar, de modo decisivo, a diferença entre quem vai viver e quem morrerá.
A controvérsia cresceu depois que o jornal The Miami Herald publicou que Fisher Island, um dos bairros mais ricos dos Estados Unidos, havia decidido comprar milhares de testes rápidos de covid-19 para o Sistema de Saúde da Universidade de Miami (UHealth), uma entidade privada.
"Para minimizar ainda mais a disseminação na densamente povoada ilha, onde metade dos moradores tem mais de 60 anos e alto risco, a Fisher Island solicitou à UHealth que lhes fornecesse testes de anticorpos covid-19 para todos os seus funcionários e residentes", afirmou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, a porta-voz da ilha, Sissy DeMaria.
Fisher Island, colada à icônica Miami Beach, abriu um centro e os testes já estão sendo realizados, junto com outras medidas de prevenção.
A UHealth reconhece que seu serviço "pode ter dado a impressão de que algumas comunidades receberiam tratamento preferencial", mas afirma, no entanto, que essa não era sua intenção.
"Um dos primeiros casos confirmados de coronavírus no condado de Miami-Dade foi em Fisher Island, mais da metade da população é maior de 60 anos e muitos moradores estavam voltando do nordeste", a zona mais atingida pela covid-19, destaca a porta-voz Lisa Worley em um breve comunicado.
O centro universitário tem colaborado com agências governamentais e de saúde pública e realizou uma iniciativa para testar anticorpos contra a covid-19 em 3.500 pessoas aleatórias na Flórida, informou a imprensa local.
Apesar disso, as notícias sobre Fisher Island rapidamente geraram uma onda de frustração e raiva, em razão da escassez de equipamentos e o acesso limitado a testes para o restante da população.
"Os americanos e, em parte, o resto do mundo, estão escandalizados ao descobrir que muita gente abastada pode usar seus recursos para conseguir vantagens quando tem uma necessidade médica, incluindo em uma epidemia, mas isso tem sido assim desde sempre. É algo que os americanos parecem tolerar", aponta Arthur Caplan, diretor de Ética Médica da Universidade de Nova York.
"Os Estados Unidos nunca reconheceram o direito à saúde. Muitos americanos obtiveram sua cobertura de saúde por meio do trabalho, o que significa que, eticamente, têm de conquistá-la. E se deixam de trabalhar, a perdem."
O sistema de saúde americano funciona em sua maioria à base de seguros privados, mas milhões de pessoas não os possuem, ou têm coberturas insuficientes.
"Quando não há um sistema que atenda a todas as pessoas, então existe um menor sentido ético de responsabilidade comunitária", pondera o especialista.
Nesta crise, o governo está adquirindo um papel maior que o habitual em nível federal, mas em muitos aspectos, são os Estados que têm o controle, também em questões de saúde.
Na Flórida, as autoridades instalaram oito clínicas móveis nas comunidades mais afetadas, de acordo com o Departamento de Saúde.
Um dos serviços com maior demanda está localizado em um dos estacionamentos do estádio Hard Hock em Miami, onde se celebrou este ano a final do SuperBowl.
Ali, as equipes médicas realizam diariamente os chamados testes PCR, que constatam se uma pessoa tem covid-19 por meio de uma amostra recolhida do nariz ou garganta analisada em laboratório.
Esse atendimento é diferente do que é realizado na Fisher Island, onde um exame de sangue rápido pode somente determinar se uma pessoa já teve a doença, mas não se está infectada.
Dada a quantidade de pessoas que correram para o estacionamento no Hard Rock, o pessoal da saúde teve que colocar o sinal de "fechado" pouco depois de abrir as portas por vários dias na semana passada. Essa procura levou a um aumento da capacidade, de 400 testes diários a 750, e se relaxaram os requisitos.
O caso de Fisher Island, no entanto, não é o único a evidenciar as desigualdades nessa crise de saúde, em que os Estados Unidos são a nação mais afetada em número de mortos e infectados, segundo os dados oficiais.
A imprensa americana noticiou, por exemplo, o caso de uma multinacional biomédica no Colorado que decidiu comprar testes rápidos para anticorpos covid-19 para todo um Condado, onde moram cerca de 8.000 pessoas, incluindo dois de seus executivos durante uma parte do ano.
Também ganhou fama o caso de uma comunidade de alta renda em Westport, Connecticut, que tentou o acesso a testes privados, e cita os serviços dos chamados médicos concierge, que estão oferecendo testes em domicílio.
David Nazarian é um desses profissionais. Ele tem uma clínica no luxuoso bairro de Beverly Hills, em Los Angeles, o médico observou um aumento persistente no número de consultas desde o princípio da epidemia e montou um centro de testes para atender no sistema "drive through".
"Eu trabalhei muito desde o começo porque considero muito importante (...) É uma crise que todos estamos enfrentando. Pobres e ricos. Não é sobre isso. É sobre o que todos podemos fazer para controlar esse vírus. Se não o fizermos, não pararemos as infecções e não conseguiremos levar as pessoas a retomarem suas vidas. Essa é a pergunta mais importante, porque todos sofrerão ", acredita ele.
Sua clientela se compõe basicamente por famílias ou indivíduos do mundo do entretenimento ou altos executivos, mas o profissional assegura que seus serviços estão disponíveis a todos, por um preço que ele prefere não revelar.
No entanto, Nazarian trata uma porcentagem de seus pacientes gratuitamente há 10 anos, uma tarefa que ele continua realizando neste momento crucial, afirma ele em conversa com a BBC News Mundo.
A equipe do médico realizou testes PCR ou de anticorpos em casa ou em sua clínica móvel, assim como para as empresas, com os materiais que puderam comprar e um pouco de criatividade diante da escassez de recursos, criando alguns materiais.
"Não há nenhuma dúvida que existem desigualdades e, infelizmente, sempre foi assim. Gostaria que não fosse. Todos deveriam ter acesso a uma boa saúde. Todo o mundo deveria poder fazer o teste", diz.
Em sua opinião, o governo deveria estar fazendo mais. "É lamentável que vivamos nos Estados Unidos e estejamos ficando para trás na capacidade de testes em relação a outros países."
Vemos de modo claro, no parágrafo acima, a opinião de quem se sente preterido quando os mais ricos têm acesso mais fácil e ágil para exames e tratamentos, em detrimento dos demais cidadãos estadunidenses, contudo, não se importa, minimamente, se outras países como Brasil, África do Sul, ou Índia, por exemplo, estão tendo acesso a tais insumos e equipamentos, ou seja, o que se reproduz no mercado interno daquela rica nação, é o mesmo que eles estão fazendo perante os outros, mundo afora.
Após os problemas com os testes no início da pandemia, os EUA agora estão realizando cerca de 150.000 testes diários. Mas, na opinião dos maiores especialistas da área, o número deveria ser muito maior: entre 5 milhões e 22 milhões por dia.
"Este país é um Estado falido", lamentava um enfermeiro anestesista de um hospital de Nova York no começo do mês, revelando um dos momentos mais trágicos de sua carreira.
Será que essa pandemia brutal causará uma mudança nos EUA, e no mundo?
"Não apostaria nisso", diz Caplan. Nos Estados Unidos, pondera o especialista, as ideias antigas pesam: a saúde é um privilégio, não um direito.
Já no mundo, a sabedoria popular nos ensina: "Quem pode mais chora menos!"
Fonte: https://g1.globo.com/
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