18 de fevereiro de 2015

Senna, Alesi e as decisões que mudaram a Fórmula 1 dos anos 90.

Fonte: http://gptotal.com.br/

Jean Alesi foi um piloto da Fórmula 1 dos anos 90, que jamais foi campeão e conquistou apenas uma vitória na categoria, mas as coisas poderiam ter sido bem diferentes não fosse uma decisão que mudou sua carreira e o curso da história…

Nascido Giovanni Alesi em 11 de junho de 1964, Jean é, na verdade, filho de sicilianos, mas cresceu na pequena Avignon, uma antiguíssima cidade no sul da França, conhecida por ter sido o lar de muitos papas da Igreja Católica durante a Idade Média. A paixão por carros surgiu cedo para o pequeno Jean. Em 1987, na Fórmula 3 francesa, Alesi venceu sete corridas, o suficiente para o título. O grande salto viria em 1988, quando pulou para a F-3000 que vivia seus melhores anos. Alesi foi acolhido por Eddie Jordan, seu companheiro de equipe era Martin Donnely e o grid era recheado de futuros conhecidos como Johnny Herbert, Roberto Moreno, Eric Bernard, Gregor Foitek e Érik Comas, seu maior rival em 1989. Naquele ano, Alesi chegou ao título, mesmo empatando em pontos com Comas. O francês tinha uma vitória a mais. 

No dia 9 de julho, no circuito de Paul Ricard, precisando de grana, Ken Tyrrell dispensou o cansado Michele Alboreto e colocou Alesi no seu lugar, em troca do patrocínio da Camel, que seria estampado na carenagem do Tyrrell 018.

Os olhos de todos, no entanto, miravam apenas a rivalidade entre Ayrton Senna e Alain Prost, que estava no auge. Alesi rapidamente pegou a mão do Tyrrell 018, classificou-se em em 16º lugar, no de grid de 26 carros, já seu  companheiro de equipe, Jonathan Palmer, se classificara em nono, entretanto, a surpresa viria na corrida. Com o forte sol sobre o circuito de Le Castelet, a corrida já entraria para a história na largada, com o espetacular acidente de Maurício Gugelmin (ele bateu em Thierry Boutsen e Gerhard Berger), que deu uma pirueta cinematográfica no ar. A prova foi interrompida e uma nova largada programada. Quando os carros começaram de fato a correr, os brasileiros já tinham vontade de desligar a televisão porque Senna, com a embreagem quebrada, nem contornou a primeira curva. Quem permaneceu assistindo testemunhou algumas coisas interessantes: uma briga feroz entre Riccardo Patrese e Nigel Mansell pelo segundo lugar (culminando em uma rodada do italiano), e os desempenho de Gugelmim (apesar do acidente, faria a volta mais rápida da corrida), Stefan  Johansson, que colocava o belíssimo Onyx-Ford entre os seis primeiros, e Alesi no Tyrrell. O francês resolveu permanecer na pista mais tempo sem trocar pneus e, com as paradas dos adversários, se viu em segundo lugar atrás apenas de Prost. Apesar do necessário pit-stop, Alesi finalizou a corrida em quarto em sua primeira corrida na Fórmula 1, deixando todo mundo de queixo caído. Ken Tyrrel, macaco velho das pistas, arregalou os olhos e se apressou em fazê-lo assinar logo um contrato para 1990. 

Alesi deu uma bela  revigorada na Tyrrell no restante da temporada de 1989, e irrompeu totalmente a cena em 1990. Naquele ano o francês deu um show, principalmente na corrida de abertura, em Phoenix, nos Estados Unidos, onde ousou desafiar Senna pela vitória e também mais tarde, nas ruas de Mônaco, quando foi novamente segundo colocado a poucos metros do McLaren do brasileiro. 

Com um estilo de pilotagem rápido, rasteiro e exuberante, Alesi lembrava muito Gilles Villeneuve, sempre presente nos corações dos fãs. Jean tinha um temperamento tipicamente italiano, mas com um notável charme francês, o que o transformava em um dos jovens mais carismáticos da época. Não demorou muito para que  todos os dirigentes da categoria estivessem apaixonados por ele. 

É justamente aí que começa seu drama. O primeiro a se aproximar com intenções concretas foi Frank Williams. O lendário dirigente começava a achar que estava precisando de pilotos melhores do que Patrese e Boutsen. Apesar de seu último título ter acontecido havia apenas três anos, Williams tinha grandes planos para o futuro. Williams ofereceu um pré-contrato que Alesi assinou imediatamente. O piloto, no entanto, teria preferido assinar o definitivo de uma vez. Frank, porém, pediu calma porque retornaria em breve. O que o francês não sabia era que Williams também estava negociando com Ayrton Senna. O contrato do brasileiro com a McLaren expiraria no final de 1990 e sir Williams jogava todos os seus truques para convencer Senna a vir para seu lado. Ele sabia que seu próximo carro, o FW14, seria muito especial. Naquele momento, no entanto, a McLaren era uma equipe bem superior e Ayrton, como era de seu costume, ficou cozinhando o tempo, à  espera do acordo mais vantajoso esportiva e financeiramente. Tempo que era demais para Alesi esperar. 

Enquanto aguardava pela resposta de Frank Williams, o francês recebeu convites de praticamente metade das equipes do grid. Um ponto chave na história aconteceu durante o Grande Prêmio da Inglaterra, em julho. Frustrado com a falta de sorte e com descaso de sua equipe, Nigel Mansell anunciou que iria abandonar a Fórmula 1 ao final do ano. A Ferrari não demorou em procurar seu substituto e considerou Alesi o ideal. Agora, o jovem e  promissor piloto recebia oferta da mais tradicional equipe da categoria, que disputava o título mundial daquele ano com Prost. Além de tudo, ao contrário da Williams, esse era um contrato definitivo. A oferta irrecusável fez o pobre franco-siciliano suar frio, mas ao contrário do que popularmente ficou conhecido, Alesi não assinou imediatamente com a Ferrari. Em vez disso, usou o contrato para pressionar ainda mais Frank Williams, não por desejar um aumento de salário ou condições melhores e sim porque queria resolver logo seu futuro. E o britânico ainda tinha a preferência, simplesmente por ter surgido primeiro. 

Alesi foi até Williams levando consigo o contrato com a Ferrari. Contudo, com sua habitual parcimônia, Frank queria mais tempo e não se intimidou. No fundo, ainda tinha esperanças de que Senna se juntasse à equipe para 1991. Alesi, no tanto, não podia mais esperar: «Me dê o contrato definitivo para assinar que eu rasgo esse aqui», disse, referindo-se à Ferrari.  O inglês deu de ombros e o francês, irritado, resolveu assiná-lo ali mesmo, pondo fim às negociações. Foi um momento chave para  a história da Fórmula 1 dos anos 90. Selando seu destino com a Ferrari,  Alesi automaticamente retirou-se dos primeiros lugares, porque não sabia, àquela altura, que a equipe viveria sua mais profunda crise nos próximos anos, impedindo-o de ganhar corridas e de crescer como piloto, chances que certamente teria na Williams, que entrava na situação oposta: inciava-se ali sua época mais vitoriosa. 

As negociações com Senna prosseguiram por mais algumas semanas, mas foram interrompidas quando o brasileiro resolveu sua situação com a McLaren, renovando o contrato. O brasileiro também não ficou plenamente convencido de que a Williams era a equipe do futuro. Agora, Frank Williams não tinha nenhum piloto de ponta para pilotar seus carros em 1991. Com Prost ainda sob contrato com a Ferrari, Alesi e Senna fora do páreo, restavam poucas opções à Williams. A saída foi convencer Mansell, que já sonhava com uma tranquila vida em família, a não se aposentar. O bigodudo mais querido da Fórmula 1 não resistiu aos encantos de sua ex-equipe e assinou o compromisso em  outubro de 1990. A notícia vazou durante o GP do Japão, aquele em que Senna se sagraria bicampeão.

A falta de calma de Alesi e o erro de julgamento de Senna foram a grande sorte de Mansell, que recebeu um carro feito sob medida, a prova até de suas famosas pataquadas. Depois de chegar muito perto de roubar o tri do brasileiro em 1991, o britânico conquistou o sonhado título em 1992 impondo um domínio avassalador a bordo do FW14B, que tinha suspensão ativa eletrônica e controle de tração. Enquanto isso, Alesi e Senna pareciam se arrastar com carros antiquados – para dizer o mínimo. 

Apesar de tudo, Alesi diz que não se arrepende. A história de Ayrton, todos sabemos. Mas se tivesse acreditado na Williams naquele verão de 1990, talvez hoje tivesse um currículo ainda mais impressionante do que aquele que conhecemos. O que Senna teria alcançado com os formidáveis Williams FW14B e FW15C é uma fantasia que povoa o imaginário de cada um de seus incontáveis fãs. Porém, como dizia o ditado, a vida é feita de decisões às quais devemos ser fieis e assumir todas as responsabilidades decorrentes.


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