O Exmº Juiz Dr. Marcos Antônio Ribeiro de Moura Brito, atuando pela 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do TJRJ, julgou os Recursos Inominados interpostos pela Unimed Rio e pelo consumidor, ambos interpostos nos autos de processo que versou sobre pedido de custeio da realização de transplante de coração, e que já se encontrava em fase de cumprimento de sentença.
O Relator modificou a sentença de primeiro grau, da lavra da Exmª. Juíza Dra. Denise Ferrari Maeda, do JEC de Barra Mansa, que inicialmente, havia reduzido o montante final da multa diária, fixada por descumprimento à tutela antecipada deferida ao autor, para R$100.000,00.
O montante da multa terminou sendo majorando para R$500.000,00, o que foi acompanhado pelos demais integrantes da Turma, vejamos alguns trechos do julgado:
O montante da multa terminou sendo majorando para R$500.000,00, o que foi acompanhado pelos demais integrantes da Turma, vejamos alguns trechos do julgado:
"Trata-se de execução de sentença que julgou procedentes os pedidos do autor para:
"1- confirmar a liminar deferida que determinou que a ré autorizasse os procedimentos e atos necessários ao transplante de coração no prazo de vinte e quatro horas, acrescendo-se a obrigação de custear o próprio transplante de coração, no momento oportuno;
2- condenar a ré a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, com juros legais a partir da citação e correção monetária a contar da sentença”.
Compulsando os autos, constato que, inicialmente, a multa diária foi fixada em R$ 2.000,00, tendo sido intimada a ré em 16/06/14, conforme fls. 50 e verso.
Assim, considerando-se que o prazo para cumprimento era de vinte e quatro horas (até as 23:59 h do dia 17 de junho), tem-se que a multa passou a incidir em 18/06/14.
Verifico ainda que a ré pediu às fls. 51/70 a reconsideração da decisão que deferiu a liminar sob as seguintes alegações: incompetência do juizado especial por necessidade de perícia e pelos custos da cirurgia que excedem o teto de quarenta salários mínimos, falta de inscrição do exequente na fila de transplantes do Ministério da Saúde, ausência de respaldo legal e a não inclusão do transplante de coração no rol de procedimentos da ANS.
Rejeitadas essas alegações, por meio da bem fundamentada decisão de fls. 178/183, informou a ré que necessitava apenas dos detalhes do procedimento cirúrgico.
Em audiência, conforme assentada de fls. 241, o autor esclareceu que a pretensão inicial abrangia os procedimentos e atos necessários ao transplante de coração, inclusive o custo do transplante em si.
Na contestação, às fls. 242/267, a executada apresentou os mesmos argumentos contidos em seu pedido de reconsideração de fls. 51/70, que já haviam sido rechaçados pela decisão denegatória de fls. 178/183.
Assim, percebo que até a prolação da sentença, publicada em 05/12/14, a ré, simplesmente, não manifestou nenhum interesse em cumprir a determinação judicial da qual fora intimada em 16/06/14. Limitou-se a apresentar os mesmos argumentos até mesmo após a audiência quando o autor afirmou que pretendia os procedimentos e atos necessários ao transplante de coração, inclusive o custo do transplante em si.
Observo que até a publicação da sentença, em 05/12/14, transcorreram mais 168 (cento e sessenta e oito dias) dias do deferimento da liminar.
Além disso, a partir da sentença, a ré passa a ser devedora também de R$ R$ 5.000,00, a título de danos morais, com juros legais a partir da citação e correção monetária a contar da sentença.
Ainda assim, mesmo depois de prolatada a sentença, permaneceu a executada em sua inércia, insensível ao problema do paciente, e, pior, ignorando as decisões judiciais.
Irresignada, interpôs recurso inominado, ao qual foi negado provimento, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos às fls. 376 e 384.
Mais uma vez, inconformada, interpôs a ora executada recurso extraordinário em 25/05/15, não admitido em 31/08/15 (fls. 405 e 422).
Assinalo que de 05/12/14 a 31/08/15 decorreram mais 205 dias.
Por intermédio da petição da ré às fls. 426/428, posso concluir que os procedimentos necessários à cirurgia objeto da demanda tiveram início em 13/10/15, uma vez que a informação nela contida não foi impugnada pelo exequente.
Por conseguinte, fixo o prazo de 13/10/15 para o encerramento da contagem do atraso em relação ao cumprimento da liminar, friso, deferida em 18/06/14, quase quatrocentos e quarenta e oito dias depois de verificado o termo a quo.
Observo ainda que a quantia de R$ 6.228,02, referente à condenação por danos morais, foi depositada somente em 27/11/15, conforme fls. 456/457, e foi expedido o mandado de pagamento, conforme fls. 525.
Foram opostos embargos à execução às fls. 440/454, insistindo ainda a executada a esta altura que jamais descumpriu a liminar deferida às fls. 47/48, o que gera intensa perplexidade, pois sempre apresentava justificativas para não cumpri-la. Requereu a extinção da execução ou a redução do valor exequendo.
Assinalo que não andou bem o julgador, no despacho de fls. 547, que retomou uma discussão a meu ver superada, pois cabia à ré a comprovação da data em que iniciou os procedimentos necessários à realização do transplante de coração. Saliento que o processo está em fase de execução e a liminar foi concedida logo após a propositura da ação.
Por fim, foi extinta a execução, tendo sido reduzido o valor das astreintes para R$100.000,00,
(...)
Irresignados, autor e ré interpuseram recurso inominado (...) Requer o autor a fixação do valor em R$1.520.000,00, enquanto a ré pugna pela redução, alegando excesso de execução.
Quanto ao recurso do autor, entendo que, pelas razões acima expostas, deve ser parcialmente acolhido, com o fito de majorar-se o valor da multa ao patamar que adiante será dado a conhecer.
Quanto ao recurso da ré cabem algumas considerações.
Primeiramente, em relação ao pedido de redução da multa, equivocou-se, data vênia, a decisão recorrida, pois o recurso da ré foi acolhido em parte com base em dispositivos de um código processual expressamente revogado em 2015.
É bom lembrar que o Código de Processo Civil, ao entrar em vigor em 18/03/2015, previu expressamente em seu art. 1.046 que:
“Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.”
Então, não há como se acolher o pedido contido nos embargos à execução sob os fundamentos mencionados.
É certo que, de acordo com o Código de Processo Civil de 1973, havia a possibilidade de se reduzir a multa pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer quando se verificava excesso a extrapolar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Contudo, o Código de Processo Civil, em seu art. 537, §1º, prevê expressamente que a multa vencida é imutável, podendo o juiz
“de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento
parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.”
(....)
...pude observar que, nos julgamentos posteriores à vigência do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça ora vem entendendo por manter a multa aplicada ainda que impugnada pela parte contrária, ora compreendendo ser mais razoável a redução do valor da multa dado o valor excessivo a que havia chegado, mormente se a desproporcionalidade da multa se verificou já desde o seu arbitramento.
Ao que parece a questão ainda está longe de ser resolvida, entretanto, recentemente, a decisão datada de novembro de 2017, revela que a regra, agora, é a inadmissibilidade do exame do valor atribuído às astreintes,
(...)
De qualquer sorte, entendo que o que vem sobrepujando é a análise do caso concreto. No caso em tela, o exequente viu-se completamente à mercê da vontade da executada, que, em nenhum momento, apresentou qualquer justificativa plausível para não satisfazer à pretensão autoral, como determinado pelo juiz a quo.
Enfatizo que não se trata de celular com defeito, televisão não entregue ou circunstância equivalente. Cuida-se de paciente com análise médica que lhe atribuía expectativa de vida de apenas um ano e bastava à ré cumprir a decisão. Foi a sua recalcitrância que gerou a alegada multa em excesso.
Não é preciso grande esforço de imaginação para se intuir como deve sentir-se um paciente que tem expectativa de vida de (01) um ano ao perceber que 168 (cento e sessenta e oito dias), quase a metade do prazo sem que a executada tomasse qualquer providência a fim de iniciar o tratamento, com base nos inúmeros laudos, relatórios e exames médicos juntados aos autos.
A esta altura, cumpre ressaltar que a multa não foi exagerada ou excessiva na sua fixação e tampouco assim se tornou posteriormente. Bem ao contrário, a multa se mostrou mesmo insuficiente, eis que a executada, a despeito da gravidade do estado de saúde do autor, não se dispôs a cumprir a obrigação que lhe fora imposta pelo Juízo.
(...)
Em face do exposto, voto no sentido de se conhecer dos recursos, dando-se parcial provimento ao recurso do autor/exequente e rejeitando-se o recurso da ré/executada, a fim de se reformar a sentença para fixar valor das astreintes em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Por ser se saído vencedor em seu recurso, o autor/exequente nada pagará a título de ônus processuais. Por ver rejeitado o seu recurso, a ré/executada pagará as custas e os honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor da execução à época em que a ré/executada decidiu interpor o seu recurso inominado.
Prossiga-se a execução até que o exequente receba integralmente os valores acima determinados.".
Processo: 0010218-76.2014.8.19.0007
Processo: 0010218-76.2014.8.19.0007
Fonte inicial: https://www.migalhas.com.br
Fonte final: http://www.tjrj.jus.br
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