11 de junho de 2015

Maior tragédia da história do automobilismo completa 60 anos.

Fonte: http://grandepremio.uol.com.br/

Nenhum dia foi tão negro na história do automobilismo quanto 11 de junho de 1955, exatos 60 anos atrás. Um grave acidente durante a 23ª edição das 24 Horas de Le Mans matou, de acordo com números oficiais, 83 espectadores e o piloto francês Pierre Levegh. Outros 120 ficaram feridos. Uma corrida jamais esquecida.

O grid estava relativamente equilibrado, mas a britânica Jaguar e a alemã Mercedes eram francas favoritas à vitória na corrida mais difícil do mundo. O desafio não era enorme apenas pela necessidade de se passar 24 horas seguidas na pista, mas também pelas enormes velocidades atingidas em Sarthe – em um tempo em que a segurança não acompanhava o ritmo dos carros e dos pilotos.

Em 1955, nas longas retas do circuito de Le Mans, os carros já atingiam a casa de 300 km/h. Qualquer acidente, portanto, teria proporções enormes. Infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu.

Foi uma tragédia que teve muitas consequências, dentro e fora das pistas, como o afastamento da Mercedes do esporte e até mesmo a proibição da realização de corridas em alguns países.

Na pista, dois campeões mundiais de F1 na década de 1950 começaram a duelar ferrenhamente. O contexto do duelo, pelas marcas que eles representavam, ainda carregava componentes históricos bastante vivos na memória dos europeus: apenas dez anos haviam se passado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e a antipatia entre ingleses e germânicos continuava bem quente.

O representante da Jaguar era Mike Hawthorn; o da Mercedes, Juan Manuel Fangio. A partir da largada, eles se mandaram na ponta duelando como se não se tratasse de uma corrida de 24 horas: travavam uma batalha digna de um GP, uma corrida 'sprint'. Foi assim que eles chegaram à 35ª volta, na terceira hora da corrida.

Hawthorn era o líder, e recebeu da Jaguar na reta que antecedia a dos boxes um sinal para parar e reabastecer. Sem querer dar mais uma volta, ele cortou para a direita logo após ultrapassar o retardatário Lance Macklin e brecou.

Os freios do carro britânico foram um detalhe determinante no acidente: ele já tinha a tecnologia de freio a disco, muito mais adequado às altas velocidades de Le Mans. Os demais, Mercedes inclusa, ainda usavam freios a tambor. Isso significava que não conseguiam desacelerar com a mesma rapidez da Jaguar.

Uma vez que Hawthorn pisou no freio, Macklin desviou para a esquerda e se colocou à frente de outro retardatário, Pierre Levegh, que guiava a outra Mercedes de fábrica. O francês de 49 anos não foi capaz de desviar, acertou a traseira do Austin-Healey de Macklin e decolou. As imagens são fortíssimas. (click no link abaixo).


No impacto com o muro, a Flecha de Prata se desintegrou. O eixo dianteiro e o bloco do motor se soltaram e, com a altíssima velocidade do carro, voaram por metros em direção às arquibancadas. Espectadores foram esmagados e decapitados. Para piorar, pessoas também foram queimadas pelas chamas que se espalharam. O fato de a Mercedes ter componentes de magnésio, um metal mais leve, mas altamente inflamável, corroborou.

300 mil pessoas estavam em Le Mans naquele dia, e a versão oficial é que a corrida não foi interrompida porque os organizadores não queriam que as estradas ficassem congestionadas, atrapalhando assim o resgate das vítimas. 25 médicos estavam a postos no circuito, e nada preparados para algo como aquilo.

Fangio e seu companheiro de equipe, Stirling Moss, continuaram na corrida disputando a liderança com Hawthorn e Ivor Bueb. Oito horas mais tarde, a Mercedes decidiu se retirar da corrida com Fangio e Moss na liderança.

A Mercedes sugeriu à Jaguar que também se retirasse, mas a fábrica inglesa se recusou e ficou na pista até o fim, vencendo com Hawthorn e Bueb. As imagens dos dois comemorando com champagne no pódio renderam muita polêmica.

Não fazia mais que dez anos desde que a Segunda Guerra Mundial havia terminado após deixar para trás um rastro de destruição e desolação que jamais havia sido visto em escala global. Os seis anos da segunda parte do combate que começara na verdade em 1914 e com rancores que não se encerraram entre batalhas campais obviamente deixaram marcas muito mais profundas do que prédios caídos e dívidas a pagar. Deixou cicatrizes que persistiriam por um longo tempo.

Se Hawthorn, por exemplo, crescido em tempos de rivalidade mortal e latente entre Inglaterra e Alemanha, não conseguia aceitar a ideia de perder para a Mercedes, uma analogia muito próxima poderia ser aplicada ao público francês.

Absolutamente esmagada e com Paris tomada e sitiada há muito menos tempo que o necessário, a vergonha que começou nas trincheiras do exército francês contra a 'blitzkrieg' alemã talvez tenha sido a maior da história daquele país. E vivia ardente. 

Por isso ver Levegh, um herói do esporte francês, um homem que quase ganhou as 24 Horas de Le Mans sozinho anos antes, morrer e matar dezenas de outros franceses numa máquina de destruição alemã, um carro dividido aos pedaços pelo ar e em direção ao público, poderia ser simplesmente demais.

Após se manter na corrida por algumas horas, a Mercedes concluiu que vencer em tal situação seria um desastre de relações públicas num momento em que ainda reconstruía sua imagem internacional e a desassociava da guerra. Um momento em que a Alemanha inteira seguia tais passos.

Fangio e Moss, dois dos maiores da história, tinham uma vantagem brutal para Hawthorn e a Jaguar, duas voltas, quando chegou à decisão, por volta das 20h, de que deveriam encostar os carros e dar adeus.

As últimas duas corridas daquela temporada de 1955 aconteceram apenas em setembro e outubro, ambas vencidas pela Mercedes. Moss, nas duas; foi acompanhado por Fitch na Irlanda do Norte e por Peter Collins na Itália.

Ao fim de 1955, campeã também na F1, a Mercedes deixou o automobilismo, assim como fizera nos anos 1930. Só voltou, de fato, competitivamente e apostando altas fichas, no final da década de 1980. Então, já sem riscos de seu nome ser atrelado de qualquer forma ao nazismo.

Proibição e reabertura

Internacionalmente, o desastre também causou um levante. Na realidade - e nada anormal na história humana -, a tragédia fez com que uma onda em prol da segurança no esporte começasse. Mesmo o papel que Fitch assumiu foi um reflexo.

Mas o movimento veio também forçado pelos países. Mesmo na França, o esporte a motor foi banido até que os autódromos apresentassem maior segurança. Pouco após aquele 11 de junho, o pit-lane do palco das 24 Horas foi colocado ao chão e reconstruído. A não separação entre reta dos boxes e os pits era inaceitável. 

Assim como a França, a Alemanha adotou a mesma obrigação. Legalização só após renovação e reforço da segurança. Outros países também o fizeram, mas eventualmente foram checando a segurança aumentada e liberando o esporte a motor em seus territórios. 

Nos Estados Unidos, a Associação Americana de Automóveis também provocou mudanças e dissolveu o Conselho de Disputas, que cuidava das competições de automobilismo. Deu lugar então ao Comitê de Competição Automobilística dos Estados Unidos, um novo órgão com novas intenções.

Quase todos eventualmente permitiram o automobilismo a regressar. A Suíça, não. O país seguiu com o banimento a todos os eventos de esporte a motor em que há competição direta. Os eventos de subida de montanha e slalom, por exemplo, seguiram sendo permitidos. O Parlamento suíço deixou a proibição fora de discussões por anos, até 2007, quando passou uma emenda para terminar o banimento. Mas a emenda bateu no Conselho dos Estados da Suíça e travou, sendo descartada em 2009 após uma segunda negativa. Desta vez, a discussão batia mais em questões ambientais que de segurança.

Em março deste ano, no entanto, o mesmo Conselho dos Estados passou uma moção para que a Suíça possa receber eventos automobilísticos de carros com motores elétricos. Inclusive uma demonstração com a suíça Simona de Silvestro acelerando um carro da F-E pelas ruas de Berna selou o futuro que o país pode ter no calendário da nova categoria do automobilismo mundial.


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