Fonte: www.ig.com.br
No início da década de 50, um imigrante de origem polonesa – dono de uma enorme fazenda localizada na zona norte do Rio – decidiu vender ao poucos sua propriedade para pessoas que procuravam moradias a preços baixos naquela região. Alto, loiro, branco e com sotaque carregado, o homem passou a ser chamado de “alemão” pelos habitantes da localidade. O fato – em princípio corriqueiro e sem muita importância – acabou dando origem ao nome de uma das principais favelas do Rio: o Complexo do Alemão, erguido nos antigos domínios do polonês.
Histórias como essa – envolvendo imigrantes –, nomes indígenas e heranças do processo de industrialização pela qual passou a capital fluminense no início do século passado estão por trás dos nomes de algumas das mais de mil favelas existentes atualmente no Rio. “Todo mundo [com traços europeus] que falava uma língua estranha era chamado de ‘alemão’”, diz o historiador Milton Teixeira, especialista na história do Rio, sobre o complexo de favelas ocupado por forças militares em novembro do ano passado.
Perto dali, localizado às margens da Baía da Guanabara, o Complexo da Maré tem em seu nome lembranças das dificuldades que os primeiros moradores do local enfrentavam. A região onde hoje estão as comunidades que formam o complexo ficava em um grande pântano, com casas erguidas em cima de palafitas. Quando a maré subia, trazia consigo lama e cobras. Por outro lado, eles também usavam o fenômeno natural a seu favor: jogavam o lixo ali e esperavam a maré ficar cheia para levar os detritos.
Já um rio que nasce no Parque Nacional da Tijuca deu origem ao nome do bairro que corta – Jacaré – e à favela situada no local, Jacarezinho. O curso de água dá muitas voltas e, por isso, foi chamado de “yacarè”, termo indígena que quer dizer torto e sinuoso. Se nessa comunidade o animal não foi o responsável pelo nome, o mesmo não aconteceu no Morro dos Macacos. Segundo uma pesquisa feita pela Prefeitura do Rio, a região possuía muitas plantações de banana na década de 20 e muitos macacos do zoológico que ficava ao lado fugiam para lá.
Industrialização
Conhecido por causa da escola de samba que carrega seu nome, o Morro do Salgueiro, na Tijuca, começou a ser ocupado no início do século 20 por ex-escravos e migrantes que tinham trabalhado em uma imensa plantação de café que havia anteriormente no local. Segundo pesquisa feita pela ONG Viva Rio, só na década de 20, a comunidade ganhou nome. Um comerciante português, chamado Domingos Alves Salgueiro, que tinha 30 barracos na favela virou, aos poucos, referência para quem ia à comunidade.
O processo de industrialização também deixou suas marcas nas favelas cariocas. O Morro do Borel, na Tijuca, herdou o sobrenome dos irmãos franceses que possuíam uma fábrica de rapé e tabaco localizada na subida da favela. Já o Morro da Mangueira, famoso pela escola de samba com as cores verde e rosa, ficou com o nome da Fábrica de Chapéus Mangueira, instalada na rua Visconde de Niterói, um dos acessos à comunidade.
A fábrica em questão “batizou” ainda outra favela, a homônima Chapéu-Mangueira, no Leme. “Havia ali um outdoor da fábrica, que, ao contrário do que alguns dizem, nunca foi instalada naquela região. Conheci pessoas que descreveram o outdoor. Segundo elas, mostrava duas pessoas usando os chapéus, que você podia dobrar e colocar no bolso”, conta Milton Teixeira.
Religião
A Igreja Católica teve um papel importante no processo de surgimento de favelas na capital fluminense e, consequentemente, de seus nomes. A área onde está hoje a Rocinha era de propriedade de padres jesuítas – ordem responsável pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), vizinha à comunidade. Sensibilizados, os religiosos permitiram que pessoas humildes morassem no lugar, montando pequenas chácaras. O nome surgiu anos depois.
“Em 1920, quando o prefeito Carlos Sampaio criou as feiras livres, surgiu a feira da Gávea, na Praça Santos Dumont. Como a população não estava acostumada a comprar frutas, legumes e hortaliças nesses locais, as pessoas ficaram impressionadas com a qualidade e o frescor dos alimentos. Elas perguntavam de onde vinham os produtos e os vendedores respondiam: vem lá da minha rocinha. Ficou, então, o costume de chamar o Alto Gávea de Rocinha, muito antes da favela existir”, relata Teixeira.
A Igreja também foi determinante para o nome da Favela do Vidigal. O Mosteiro de São Bento era o dono do terreno onde está a comunidade e o doou, em 1820, ao major da polícia Miguel Antunes Vidigal como gratidão por serviços prestados. “O que aconteceu depois disso é incerto. A única coisa que se sabe é que ele morreu em 1850 e a favela surgiu em 1940, quase 100 anos depois. Constam nos registros que o major não teve filhos”, diz o historiador.
Há ainda a influência religiosa no nome da favela Santa Marta, chamada por alguns moradores de Dona Marta. No século 17, o padre Clemente Martins de Matos, tesoureiro da Sé do Rio, comprou as terras do atual bairro de Botafogo e colocou o nome da mãe no morro que limitava seu terreno.
A favela, no entanto, só teve seu início na década de 30, quando a área já pertencia aos padres jesuítas do Colégio Santo Inácio. Eles deixaram que operários que trabalhavam nas obras da instituição de ensino se instalassem no local.
A favela de Vigário Geral, onde até a década de 30 ficava uma grande fazenda dividida em vários povoados, seria uma referência ao padre responsável por celebrar missas em todas as paróquias da região, segundo uma pesquisa da ONG Viva Rio.
A Cidade de Deus surgiu de uma ideia de Dom Hélder Câmara para o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, amigos que viraram inimigos confessos. O conjunto habitacional foi inicialmente construído para receber funcionários do antigo Estado da Guanabara, mas com as enchentes que atingiram o Rio em 1966, desabrigados pelas chuvas e moradores de favelas removidas foram levados para lá.
“O projeto religioso do local está presente em alguns logradouros, como a Praça da Bíblia e as ruas Moisés e Salomão”, conta José Baptista Ferreira de Mello, coordenador do projeto "Roteiros Geográficos do Rio", da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Origem
Se todas as favelas do Rio são chamadas hoje por esse termo, isso se deve ao Morro da Providência, considerada por muitos pesquisadores como a mais antiga do Rio – embora o fato seja contestado por outra corrente de historiadores. Ela foi fundada por ex-combatentes da Guerra de Canudos que vieram à capital fluminense em 1897 para receber o soldo e ali se instalaram.
Eles teriam chamado a comunidade de Favela em referência a um morro que ficava nas proximidades do Arraial de Canudos, usado como acampamento, e a um arbusto típico do sertão nordestino – Faveleiro – também encontrado no novo lar. O nome Providência só passou a ser usado a partir da década de 40 porque a capela da Divina Providência ficava no local.
“É importante ressaltar que até esse período o termo favela só era usado em referência ao Morro da Providência, inclusive na música. Em 1943, o cantor Herivelto Martins cantava: ‘Favela, Salgueiro, Mangueira, Estação Primeira, guardai os vossos pandeiros’. Ele citava os nomes das comunidades e não usava o termo se referindo a todas”, atenta José Baptista Ferreira de Mello. “Os soldados se instalaram nas encostas com restos de madeira, zinco, papelão e de latas de querosene. Esse cenário só era bonito na música porque, na verdade, era uma fornalha já que madeira e zinco armazenam calor”, avalia.
Para Milton Teixeira, mesmo com as dificuldades, antigamente os nomes tinham ligações com as histórias das comunidades. O que, para ele, não ocorre mais. “Os nomes das favelas mais atuais são tirados de modismos, como novelas. No Complexo da Maré, tem uma favela chamada Buraco da Lacraia. Não é nada eufônico e, sim, dissonante”, finaliza o historiador.
Histórias como essa – envolvendo imigrantes –, nomes indígenas e heranças do processo de industrialização pela qual passou a capital fluminense no início do século passado estão por trás dos nomes de algumas das mais de mil favelas existentes atualmente no Rio. “Todo mundo [com traços europeus] que falava uma língua estranha era chamado de ‘alemão’”, diz o historiador Milton Teixeira, especialista na história do Rio, sobre o complexo de favelas ocupado por forças militares em novembro do ano passado.
Perto dali, localizado às margens da Baía da Guanabara, o Complexo da Maré tem em seu nome lembranças das dificuldades que os primeiros moradores do local enfrentavam. A região onde hoje estão as comunidades que formam o complexo ficava em um grande pântano, com casas erguidas em cima de palafitas. Quando a maré subia, trazia consigo lama e cobras. Por outro lado, eles também usavam o fenômeno natural a seu favor: jogavam o lixo ali e esperavam a maré ficar cheia para levar os detritos.
Já um rio que nasce no Parque Nacional da Tijuca deu origem ao nome do bairro que corta – Jacaré – e à favela situada no local, Jacarezinho. O curso de água dá muitas voltas e, por isso, foi chamado de “yacarè”, termo indígena que quer dizer torto e sinuoso. Se nessa comunidade o animal não foi o responsável pelo nome, o mesmo não aconteceu no Morro dos Macacos. Segundo uma pesquisa feita pela Prefeitura do Rio, a região possuía muitas plantações de banana na década de 20 e muitos macacos do zoológico que ficava ao lado fugiam para lá.
Industrialização
Conhecido por causa da escola de samba que carrega seu nome, o Morro do Salgueiro, na Tijuca, começou a ser ocupado no início do século 20 por ex-escravos e migrantes que tinham trabalhado em uma imensa plantação de café que havia anteriormente no local. Segundo pesquisa feita pela ONG Viva Rio, só na década de 20, a comunidade ganhou nome. Um comerciante português, chamado Domingos Alves Salgueiro, que tinha 30 barracos na favela virou, aos poucos, referência para quem ia à comunidade.
O processo de industrialização também deixou suas marcas nas favelas cariocas. O Morro do Borel, na Tijuca, herdou o sobrenome dos irmãos franceses que possuíam uma fábrica de rapé e tabaco localizada na subida da favela. Já o Morro da Mangueira, famoso pela escola de samba com as cores verde e rosa, ficou com o nome da Fábrica de Chapéus Mangueira, instalada na rua Visconde de Niterói, um dos acessos à comunidade.
A fábrica em questão “batizou” ainda outra favela, a homônima Chapéu-Mangueira, no Leme. “Havia ali um outdoor da fábrica, que, ao contrário do que alguns dizem, nunca foi instalada naquela região. Conheci pessoas que descreveram o outdoor. Segundo elas, mostrava duas pessoas usando os chapéus, que você podia dobrar e colocar no bolso”, conta Milton Teixeira.
Religião
A Igreja Católica teve um papel importante no processo de surgimento de favelas na capital fluminense e, consequentemente, de seus nomes. A área onde está hoje a Rocinha era de propriedade de padres jesuítas – ordem responsável pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), vizinha à comunidade. Sensibilizados, os religiosos permitiram que pessoas humildes morassem no lugar, montando pequenas chácaras. O nome surgiu anos depois.
“Em 1920, quando o prefeito Carlos Sampaio criou as feiras livres, surgiu a feira da Gávea, na Praça Santos Dumont. Como a população não estava acostumada a comprar frutas, legumes e hortaliças nesses locais, as pessoas ficaram impressionadas com a qualidade e o frescor dos alimentos. Elas perguntavam de onde vinham os produtos e os vendedores respondiam: vem lá da minha rocinha. Ficou, então, o costume de chamar o Alto Gávea de Rocinha, muito antes da favela existir”, relata Teixeira.
A Igreja também foi determinante para o nome da Favela do Vidigal. O Mosteiro de São Bento era o dono do terreno onde está a comunidade e o doou, em 1820, ao major da polícia Miguel Antunes Vidigal como gratidão por serviços prestados. “O que aconteceu depois disso é incerto. A única coisa que se sabe é que ele morreu em 1850 e a favela surgiu em 1940, quase 100 anos depois. Constam nos registros que o major não teve filhos”, diz o historiador.
Há ainda a influência religiosa no nome da favela Santa Marta, chamada por alguns moradores de Dona Marta. No século 17, o padre Clemente Martins de Matos, tesoureiro da Sé do Rio, comprou as terras do atual bairro de Botafogo e colocou o nome da mãe no morro que limitava seu terreno.
A favela, no entanto, só teve seu início na década de 30, quando a área já pertencia aos padres jesuítas do Colégio Santo Inácio. Eles deixaram que operários que trabalhavam nas obras da instituição de ensino se instalassem no local.
A favela de Vigário Geral, onde até a década de 30 ficava uma grande fazenda dividida em vários povoados, seria uma referência ao padre responsável por celebrar missas em todas as paróquias da região, segundo uma pesquisa da ONG Viva Rio.
A Cidade de Deus surgiu de uma ideia de Dom Hélder Câmara para o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, amigos que viraram inimigos confessos. O conjunto habitacional foi inicialmente construído para receber funcionários do antigo Estado da Guanabara, mas com as enchentes que atingiram o Rio em 1966, desabrigados pelas chuvas e moradores de favelas removidas foram levados para lá.
“O projeto religioso do local está presente em alguns logradouros, como a Praça da Bíblia e as ruas Moisés e Salomão”, conta José Baptista Ferreira de Mello, coordenador do projeto "Roteiros Geográficos do Rio", da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Origem
Se todas as favelas do Rio são chamadas hoje por esse termo, isso se deve ao Morro da Providência, considerada por muitos pesquisadores como a mais antiga do Rio – embora o fato seja contestado por outra corrente de historiadores. Ela foi fundada por ex-combatentes da Guerra de Canudos que vieram à capital fluminense em 1897 para receber o soldo e ali se instalaram.
Eles teriam chamado a comunidade de Favela em referência a um morro que ficava nas proximidades do Arraial de Canudos, usado como acampamento, e a um arbusto típico do sertão nordestino – Faveleiro – também encontrado no novo lar. O nome Providência só passou a ser usado a partir da década de 40 porque a capela da Divina Providência ficava no local.
“É importante ressaltar que até esse período o termo favela só era usado em referência ao Morro da Providência, inclusive na música. Em 1943, o cantor Herivelto Martins cantava: ‘Favela, Salgueiro, Mangueira, Estação Primeira, guardai os vossos pandeiros’. Ele citava os nomes das comunidades e não usava o termo se referindo a todas”, atenta José Baptista Ferreira de Mello. “Os soldados se instalaram nas encostas com restos de madeira, zinco, papelão e de latas de querosene. Esse cenário só era bonito na música porque, na verdade, era uma fornalha já que madeira e zinco armazenam calor”, avalia.
Para Milton Teixeira, mesmo com as dificuldades, antigamente os nomes tinham ligações com as histórias das comunidades. O que, para ele, não ocorre mais. “Os nomes das favelas mais atuais são tirados de modismos, como novelas. No Complexo da Maré, tem uma favela chamada Buraco da Lacraia. Não é nada eufônico e, sim, dissonante”, finaliza o historiador.
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