9 de novembro de 2009

Burla ao precatório

Jorge Rubem Folena de Oliveira*


A "PEC do calote", que tramita atualmente na Câmara dos Deputados, sob o nº 351/09, é mais um símbolo da crise de representatividade política no País, na medida em que os membros do Poder Legislativo, que deveriam representar a vontade dos eleitores, na verdade advogam interesses contrários, beneficiando o poder público devedor, distorcendo o adágio popular, que fica assim: "devo, não nego e não pago enquanto puder".

Esta lamentável postura, que põe em xeque as instituições públicas, conta também com a participação dos Poderes Executivo (o inadimplente) e Judiciário, representado na hipótese pelo STF, que, mesmo sabendo do não cumprimento das decisões judiciais, firmou jurisprudência contrária à intervenção nos Estados e Municípios inadimplentes (artigos 34, VI e 35, IV, da Constituição Federal) , além de autorizar o seqüestro de verba pública somente nos casos de não observância da ordem cronológica do pagamento .

Com efeito, o não pagamento de precatório constitui violação ao Estado Democrático de Direito, uma vez que a sentença passada em julgado é um direito individual, previsto no artigo 5º, XXXVI da Constituição.

Na República, os poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm suas competências definidas na Constituição, funcionando de forma independente e harmoniosa entre si (art. 2º da Constituição), a fim de assegurar a manutenção das instituições e da ordem social.

É perigoso para a democracia quando um Poder (o Executivo) retarda o cumprimento da decisão do Judiciário. Ou quando o Legislativo, casuisticamente, cria nova norma jurídica como forma de burlar o adimplemento da condenação judicial, depois de esgotados todos os recursos. Como, então, exigir do povo o cumprimento de qualquer dever?

Por outro lado, incentivar a compensação de créditos de precatórios para pagamento de débitos inscritos na Dívida Ativa favorecerá a ampliação de um mercado perverso de cessão de créditos, em que os titulares dos direitos sofrem deságio sobre os valores a serem recebidos, o que favorece apenas as instituições de crédito especializadas e capitalizadas. Aqui reside, talvez, o lado mais perverso e obscuro da aludida PEC.

Portanto, a mencionada PEC não só atenta contra o Estado Democrático de Direito (art. 1º), como também contra as cláusulas pétreas da separação dos poderes e dos direitos e garantias individuais, previstos no artigo 60, § 4o, III e IV, da Constituição Federal.


*Jorge Rubem Folena de Oliveira é presidente da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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