Fonte: http://grandepremio.com.br
Luiz Razia nem passou pelo período temporário de 30 dias – foram exatos 23 dias e 10 horas –, mas viveu dias de aviso prévio na Marussia diante da inadimplência de seus incertos e não sabidos investidores. Até que, oficialmente, às 15h01 (de Brasília) deste primeiro dia de março teve de entregar seu cargo de piloto titular de F1 para Jules Bianchi.
O riso que surgiu diante da pergunta até denotou uma conformidade de quem já esperava tal desfecho. Talvez não naquele dia, como a conversa acaba revelando, mas o calote na segunda das seis parcelas do pagamento combinado à pior equipe do campeonato fez com que a assinatura no contrato fosse invalidada. Em um primeiro momento, a análise apontou para um lado. “A gente fez tudo certo”, disse Razia com exclusividade ao Grande Prêmiopor telefone. “O pessoal brasileiro que mora nos EUA e está investindo na gente tinha assinado o contrato e pagado a primeira parcela, então estava tudo indo do jeito que a gente precisava e, por questões de aplicações, eles tiveram problemas de tirar o pagamento para a outra.”
Uma breve volta a novembro resgata a informação de uma fonte próxima a Razia. “Se ele vier ao GP do Brasil é porque alguma coisa está engatilhada para o ano que vem”, e quando o baiano de Barreiras apareceu no paddock de Interlagos, o questionamento sobre suas negociações e futuro encaminhado foram inevitáveis. Ali já se sabia que Luiz conversava fortemente com Force India e Marussia, principalmente, mas vai que alguma coisa sobrasse na Caterham. Ali, no entanto, já se compreendia a dificuldade para arrumar patrocinadores, sobretudo nacionais. Enquanto o mundo se debruçava para descobrir os passos de Bruno Senna, Razia deixava propositalmente escapar, no fim de janeiro, o acordo com a Marussia. O anúncio pessoal foi posto em seu site, retirado no mesmo dia, divulgado no principal telejornal do país e só confirmado na semana seguinte, estranhamente um dia depois que a escuderia revelou seu carro novo.
A divulgação do material de imprensa da Marussia estampava claramente que seus patrocinadores/apoiadores, Cyber1 e Filabé, foram postos de forma virtual em seu macacão. Ao se apresentar para os primeiros treinos coletivos em Jerez de la Frontera, que acabaram sendo seus únicos, as marcas não apareciam mais em sua roupa de trampo. Tudo voltava ao enigma. Tipo este “pessoal brasileiro que mora nos EUA e está investindo na gente”.
“Isso foi enrolando, e o banco foi os enrolando também. A primeira semana de Barcelona passou, mas estava com muita esperança de que a gente ia resolver porque nos falaram que era uma questão de tempo”, contou Razia. “A gente começou a contatar várias pessoas que poderiam nos ajudar, mas não conseguiu – até hoje de tarde, a gente teve várias reuniões”, referiu-se a esta sexta. “A equipe obviamente precisava desta parcela, e a gente acabou sendo irregular com o contrato.”
Numa linguagem popular, foi a primeira mancada destes investidores com quem Razia trabalha “desde o ano passado”. “Os primeiros testes que eu fiz de F1 foram com eles, então estava tranquilo quanto a isso. E infelizmente acontece isso chegou a esse ponto de não poder fazer nada”, lamentou. O contrato foi assinado precisamente em agosto. “E os testes que a gente fez de Force India e Toro Rosso, além da nossa temporada de GP2, já tiveram suporte dessas pessoas”, defendeu. Luiz foi novamente instado a falar mais sobre a identidade deles. “Não posso porque seria falta de ética minha. A gente não se acertou ainda e vai ter de sentar para ver o que vai ter de fazer no futuro, e seria antiético da minha parte falar o nome delas.”
O que ao menos se pôde extrair é que se tratam de duas pessoas, “com empresas nos EUA e na Suíça”.
Mais abertamente, em uma conversa anterior, Razia havia mencionado que quem agenciava sua carreira eram os empresários “Téo e Vera”. Que vêm a ser Téo e Vera Lopes, responsáveis pela Eau Rouge Motorsport Management, companhia com base na Inglaterra que também cuida dos brasileiros Rodolpho Gamberini, Victor Corrêa e Yann Cunha. “Eles não corriam atrás de patrocínio. A parte deles era falar com as equipes e fazer as propostas”, falou Luiz. Os intermediários de Luiz não só procuraram a Marussia e a Force India, como se sabe. “A gente chegou a conversar com a Lotus e com a Caterham também”, revelou.
A Lotus é a novidade desta história. “Inclusive o anúncio do (Romain) Grosjean demorou porque a gente estava falando bastante com eles”, comentou Razia, para completar que “não foi muito além de duas ou três reuniões”.
Já as negociações com o time de Vijay Mallya estavam, segundo o piloto, “bem adiantadas”. “Mas como os valores deles estavam fora da nossa possibilidade, a opção acabou restando entre a Caterham e a Marussia. E, pra falar a verdade, a gente fechou com a Marussia porque era a oportunidade que dava.”
Razia deu uma noção das cifras com as quais lidou. “Quando eu estava negociando com as equipes, muita gente falava em valores absurdos. Falavam em € 30 milhões, que é algo gigante, de patrocinador principal. O que é possível levar hoje para a F1 é algo entre € 5 a 8 milhões, no nosso caso”, contou. Diante da estimada quantia de € 20 milhões para o cockpit da Force India, Luiz respondeu que o preço era “mais baixo”. “Mas a Force India, na verdade, era uma incógnita. O (Adrian) Sutil garantiu a vaga na equipe, na minha opinião, porque poderia garantir mais pontos no campeonato – eles estavam vendo se valeria a pena pegar dinheiro de um piloto ou um piloto que poderia somar mais pontos.”
Ainda que o resultado tenha sido nulo para suas pretensões, Razia dispõe de um time empenhado em buscar recursos financeiros. O capitão deles, por assim dizer, é Eros Narloch, diretor-geral da Somoz, empresa de gerenciamento de marketing e ativação de patrocínios. “A gente tinha muitas pessoas trabalhando”, avaliou Luiz. “O que não faltou foi conversar com possíveis patrocinadores, como Santander, Raízen, Embratel, Gillette, conversou com Guaraná Antarctica, Petrobras, com bancos, e chegamos ao patamar de fechar alguns deles, mas infelizmente o pessoal acabou não querendo, até porque queriam saber qual equipe eu iria estar para me patrocinar. Quando a gente conseguiu a equipe, tudo aconteceu muito rápido e não conseguiu concluir nada”, queixou-se.
Nada. Nenhum aporte brasileiro de empresa grande, pequena ou local. É o ponto que talvez deixe Razia mais tocado nesta história toda. “A minha indignação é que, apesar de muita gente levar como piada, meu próprio estado, a Bahia, nunca conseguiu me apoiar”, falou. “Pô, tem várias empresas lá, tipo a Braskem, que a gente chegou a conversar, e nada; às outras que eu citei, a gente sentou com elas e mostrou um projeto realista, mas nenhuma quis... não que eu esteja culpando especificamente as empresas, mas a falta de apoio, especificou.”
Luiz insistiu que tudo o que precisava ser feito para alcançar o êxito foi feito, “das pessoas que trabalham com a gente, que fizeram as reuniões e que se esforçaram, e da minha parte”. Eu sou uma pessoa muito tranquila, eu sou dedicado, eu reconheço todos aqueles que me ajudaram até aqui – foi feito, não tenho nada para dizer”, repetiu. “Eu fiz tudo que era possível para estar aqui. Eu tive alguns erros na minha carreira, mas eu sempre tentei melhorar. E eu me sinto conformado porque eu vou dormir sentindo que fiz tudo. É triste? É, pô, estar na F1 era o meu sonho, e eu estava lá, e perder a vaga por algo que nem eu entendi direito, é difícil, mas vai se fazer o quê?”
Para entender direito, assim, o que aconteceu, questionou-se Razia se o caso deu-se da seguinte forma: o primeiro pagamento caiu e o segundo, que deveria ter caído numa data X, não ocorreu, e nasceu um problema burocrático entre os tais investidores e o banco. “Exatamente, você descreveu o que aconteceu.”
Você perdeu a primeira parcela, então?, e Razia logo retrucou: “Eu não perdi, né?”, para então rir. “Existia um contrato para ser cumprido, e não foi. Esse é um problema que vai ter de ser resolvido com as pessoas que tratam disso, os nossos investidores”, disse.
Luiz confessou que as tratativas para resolução da pendenga rolavam até momentos antes da quebra do acordo com a Marussia. “Inclusive estávamos negociando com um banco que até estava a fim de entrar, mas não deu, e agora vou ter de sentar para analisar o que é que eu vou fazer”, falou. “A equipe acabou ligando para a gente e falou que teria de tomar essa decisão. Dois segundos depois, já estava na imprensa, e a gente nem pôde falar nada. Então se foi surpresa para vocês, para mim também foi.”
Ainda tomado pelo susto do desemprego, Razia admitiu que está “sem ideia do que é melhor” para seu futuro no automobilismo. “E vou ter de pedir muito conselho para as pessoas para ver o que me beneficiaria, mas estou motivado para conseguir voltar”, declarou. “Acho que muitas pessoas não veem o que eu vejo, não têm a mesma crença que eu tenho, ou a força de vontade que tenho, mas eu quero conseguir estar na F1 de novo. Até duas semanas atrás, eu estava, então não é agora que eu vou desistir.”
O cenário ainda é mais complicado ao observar que “as categorias em que poderia ingressar já começaram suas atividades”. “Se eu quisesse andar em algum carro, eu queria disputar pelo menos o pódio. E para entrar em uma equipe que não me dê essas condições, não vale a pena porque não vou poder desenvolver bons resultados”, disse.
A questão é o asterisco e a mancha que o calote da F1 vão deixar no currículo. Mas Razia minimizou. “Isso só vai atrapalhar se eu não tiver uma boa empresa atrás de mim. Agora, a gente precisa ter bons patrocinadores para que isso seja descartado”, relativizou. “Se eu tivesse, por exemplo, uma AmBev, uma Petrobras, uma empresa forte, não haveria mais nenhuma dúvida sobre mim. É o caso de a gente conseguir pessoas de nome e de peso.”
O revés com a Marussia acabou sendo visto como mais um aprendizado, o que levou Razia a desvelar que a carreira de piloto esteve perto do fim há pouco tempo. “Eu tive uma lição em 2011 que eu quase parei de correr, até por um fato de confiança e auto-estima, e reganhei de volta e vi que vale a pena passar por dificuldades e que a gente aprende e que passa por uma jornada que faz a gente crescer como pessoa. E não quero que essa dificuldade me faça cair como caí em 2011.”
Para o piloto, “todo mundo passa por esse tipo de coisa na vida, e a gente pensa se foi um erro ter feito isso ou aquilo”. “Eu acabei aprendendo que não existem erros, mas aprendizados”, e na leva, aí veio a confissão de que algo evidentemente não saiu certo. “Veio uma lição da maneira mais difícil de aprender para mostrar a parte onde a gente errou, o que não cumpriu e o plano B que não preparou. Em 2011, eu realmente estava prestes a parar – tinha até me inscrito na universidade –, e a vida me deu um tapa para mostrar que eu precisava acreditar e ter garra. E em 2012, estava numa equipe que não tinha condições de disputar vitórias e quase foi campeã, a Arden, e isso me deu uma nova perspectiva de como levar as coisas. O tombo que estou levando é duro, não é fácil, mas não é o fim”, comentou.
A título de curiosidade, Razia deixou para trás o curso de Engenharia Mecânica, apesar de se comunicar com facilidade. “Jornalismo, eu deixo para vocês”, falou. “Eu não sou muito parcial. Acho que não serviria para ser jornalista porque eu gosto de torcer. Eu gosto muito do Brasil, então não seria muito bom para ser imparcial.”
O que fica, por enquanto, de gosto para Razia são dois dias de testes com o carro rubronegro. Que, segundo o brasileiro, “tem potencial para bater a Caterham, que não vai desenvolver muito neste ano porque está olhando muito para 2014, quando vai ter uma mudança muito grande”. “A Caterham acha que vai dar o grande salto no ano que vem e vão concentrar nisso. Já a Marussia, que está com o Pat Symonds, muito experiente, mais de 30 anos na F1, vai aproveitar as oportunidades que tem na mão, principalmente com a McLaren. Eu estive no simulador, inclusive, e foi um dia muito legal para mim, e vi que eles estão determinados a colocar várias atualizações no carro. Mas esse é o limite. Ultrapassar a Caterham é uma realidade, mas para por aí”, admitiu.
Também fica a gratidão por uma equipe que procurou ajudar o quanto pôde. “Eu não tenho nada a reclamar, não. Eles me deram a oportunidade – tinham o próprio Bianchi para escolher antes, outros pilotos na lista – com aquilo que a gente tinha”, avaliou Luiz. “A gente assinou o contrato e começou a trabalhar junto, e desde o começo sempre me trataram bem. A parte de engenharia adorou o meu trabalho e eu estava me sentindo muito bem com eles. Não tenho por que sentir qualquer rancor.”
Se Razia bateu tanto na tecla de que tudo é aprendizado e lição, entendeu bem que “essa é a natureza da categoria”. “Tem um ditado que fala para não odiar o jogador, mas para odiar o jogo. O jogo é a F1, não sou eu nem a equipe.”
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