12 de janeiro de 2021

Ford anuncia o fim da produção de carros no Brasil.

A montadora de automóveis Ford anunciou o fechamento de suas fábricas no Brasil, como parte do plano de reestruturação da empresa na América do Sul. Em nota, Jim Farley, presidente e CEO da Ford, afirmou que a decisão foi “muito difícil”, mas necessária para a criação de um negócio saudável e sustentável.

A assessoria de imprensa da Ford confirmou que, ainda nesse ano, serão encerradas as operações nas plantas de Camaçari/BA, Taubaté/SP e da Troller, em Horizonte/CE, essa última, marca genuinamente brasileira adquirida pela multinacional estadunidense.

O mais incrível é que as vendas dos modelos Ka, EcoSport e do Troller T4 serão interrompidas quando acabarem os estoques dos veículos já fabricados.

A assessoria afirmou ainda que a montadora manterá apenas as fábricas na Argentina e no Uruguai na América do Sul, além do Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas, em Tatuí (SP), e sua sede regional em São Paulo. Os serviços de assistência ao consumidor seguem funcionando nas operações de vendas, peças de reposição e garantia para os clientes no Brasil.

Com a decisão, a empresa disse que vai demitir 5 mil funcionários no Brasil e na Argentina. A Ford não especificou quantas demissões serão feitas em cada país, mas afirmou que os brasileiros respondem pela maior parte dos desligamentos. A montadora declarou que vai trabalhar “em estreita colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção”.

Estamos mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção no Brasil, atendendo nossos consumidores com alguns dos produtos mais empolgantes do nosso portfólio global. Vamos também acelerar a disponibilidade dos benefícios trazidos pela conectividade, eletrificação e tecnologias autônomas suprindo, de forma eficaz, a necessidade de veículos ambientalmente mais eficientes e seguros no futuro”, diz a nota divulgada pela Ford.

Sergio Vale, economista-chefe e sócio da MB Associados, avalia que a indústria automotiva está passando por grandes desafios nos últimos anos, motivados tantos por fatores estruturais, como o menor desejo das pessoas por automóveis, até questões mais pontuais, como a crise econômica de 2015 e a pandemia.

Na saída desta crise, especificamente, será certo o aumento da desigualdade de renda e a demora para a queda do desemprego. Haverá menos espaço para compra de automóveis no ritmo que se viu na primeira década do século. Por isso, continuaremos a ver reestruturações na indústria como nesse caso”, diz Vale.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, comenta que a Ford já vinha sinalizando que pretendia encerrar a produção no Brasil. “Tanto que em 2019 a empresa encerrou as atividades da fábrica de caminhões no ABC Paulista, mas a pandemia acelerou a saída do país. É uma notícia extremamente ruim para o mercado brasileiro, não só por conta dos empregos diretos que a Ford gera, mas também pelos indiretos, por meio das empresas-satélite, como os fornecedores de autopeças. O impacto vai ser bem significativo”, diz.

Ainda que a Ford tenha mencionado 5 mil demissões, apenas a fábrica de Camaçari tem mais de 4 mil funcionários. Nas três fábricas brasileiras, são 5,3 mil. O governo da Bahia já procura uma nova dona para a fábrica, e está de olho nas empresas chinesas.

Agostini destaca ainda que a montadora deve passar a importar mais veículos para o Brasil de fábricas instaladas em países vizinhos, que possuem ambientes de negócio mais favoráveis que o brasileiro. “A Ford anunciou que vai continuar produzindo carros na Argentina, que tem custos menores de produção, principalmente porque nossos encargos trabalhistas e custos de energia são muito altos. Então, ela deve manter operações no Uruguai e Argentina e os carros da Ford devem passar a ser ainda mais importados desses países”, completa.

Para Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, a decisão da Ford tem como principal objetivo manter operações que tenham finanças melhores – como as de Argentina e Uruguai. O grande complicador nas contas brasileiras são fábricas que não operam com capacidade plena, segundo ele.

Argentina e Uruguai têm produções menores, então vemos uma maior acomodação em termos de volume. Não é mais necessário ter plantas no mercado brasileiro. A indústria automotiva não tem mais o volume das décadas anteriores, ainda que seja bastante relevante”, diz Kalume Neto, que acrescenta que o mercado automotivo brasileiro tem capacidade para produzir 5 milhões de veículos anualmente – mas a projeção de vendas internas de veículos novos está em cerca de 2,4 milhões para 2021. As demissões vêm acontecendo no setor há algum tempo.

A pandemia afetou o mercado automotivo principalmente entre março e abril de 2020 – mas o segmento já ensaiou uma recuperação no final do último ano. “Temos uma tendência satisfatória, então não creditaria essa decisão apenas à pandemia. A Ford vem perdendo fatia de mercado, com uma gama de lançamentos bastante desatualizada. Sim, ela ainda vende modelos como o Ka, mas é uma venda principalmente para a pessoa jurídica [como locadoras]. Não é uma venda tão lucrativa como a para a pessoa física.”

Para Kalume Neto, portanto, seria incorreto atribuir a decisão da Ford apenas às dificuldades ligadas ao ambiente de negócios brasileiro. Boa parte das receitas da Ford no país vinha das vendas diretas, modalidade menos rentável para as montadoras. Vale destacar que a Ford também vem perdendo participação de mercado ano a ano. Além disso, o fechamento das fábricas faz parte de um reposicionamento global da empresa que já tinha cancelado a produção de caminhões e focava nos SUVs. Ainda assim, a burocracia brasileira e os altos custos de produção certamente pesaram para a decisão, segundo o especialista.

Decisão inédita: Em 2020, a Ford representou 7,4% do mercado de automóveis no Brasil, segundo dados da Fenabrave, entidade que representa as concessionárias de veículos. O Ford Ka foi o 5º carro mais vendido no Brasil em 2020. Se somados os emplacamentos das versões hatch e sedã (Ka Plus) do Ka, o modelo teria sido o 2º mais vendido do país no ano passado. A marca torna a notícia ainda mais impressionante, já que é uma das primeiras vezes na história da indústria automotiva brasileira que uma montadora anuncia o fechamento da produção no país, mesmo com seus modelos figurando entre os top 5 mais vendidos no Brasil.

Ainda segundo os especialistas, o EcoSport, que também não será mais produzido em território nacional, foi um dos carros que inaugurou no Brasil e no mundo o conceito de SUV compacto, um dos modelos de maior sucesso de vendas na atualidade, não só no caso da Ford, como de outras montadoras.

Para Raphael Galante, economista que trabalha no setor automotivo há 14 anos e consultor na Oikonomia Consultoria Automotiva, apesar das sinalizações anteriores da Ford, conforme mencionou Agostini, uma decisão dessa magnitude não era esperada. “Havia uma série de conversas de concessionários e empresários com diretores da Ford sobre expansão, com a chegada de produtos como a van comercial Transit e o SUV Bronco. A impressão da indústria é que foi uma decisão de cima para baixo, vinda de Detroit [sede da montadora nos EUA] e que ninguém por aqui estava esperando”, afirmou.

Além disso, ele comenta que o impacto nas redes de concessionários será gigante. “São cerca de 350 concessionárias da Ford no país, que viram hoje seus negócios naufragarem. A grande maioria deles vende o Ka sedan e hatch e a EcoSport. Haverá um enxugamento radical dessas redes”, diz.

O que muda para o consumidor?

Para Kalume Neto, é difícil dizer se os preços dos carros da Ford irão subir e quanto. “Ficamos sujeitos à variação cambial e aos custos internacionais de logística agora. Ao mesmo tempo, temos um mercado extremamente competitivo para automóveis no Brasil. Não dá para colocar preços descolados da concorrência.

Andres Castro, analista de ações da Berkana Patrimônio, afirma que a receita gerada pela Ford na América do Sul vinha caindo ao longo dos últimos anos. “Já chegou a representar quase 10% em 2010 e hoje em dia não passa de 3% do total gerado pelo grupo. Além disso, a rentabilidade operacional das operações na América do Sul é muito volátil e baixa quando comparada à rentabilidade da unidade da América do Norte. Logo, como uma operação pequena e baixa rentabilidade, os investidores gostaram da medida”, comenta.

Próximos passos: A Ford seguirá atendendo a região com seu portfólio global de produtos, incluindo alguns dos veículos mais conhecidos da marca, como a nova picape Ranger produzida na Argentina, a nova Transit, o Bronco, o Mustang Mach 1, e planeja acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados.

Os consumidores na América do Sul terão acesso a um portfólio de veículos conectados, e cada vez mais eletrificados, incluindo SUVs, picapes e veículos comerciais, provenientes da Argentina, Uruguai e outros mercados, ao mesmo tempo em que a Ford Brasil encerra as operações de manufatura em 2021”, disse a empresa em nota.


A seguir a opinião de Raphael Galante, Economista, trabalha no setor automotivo há 14 anos e atua como consultor na Oikonomia Consultoria Automotiva:

A Ford foi a primeira fábrica de automóveis do país! Ela iniciou a sua produção em “mil novecentos e guaraná com rolha” (1919), com o clássico Ford T. Ou seja, ela é mais uma empresa secular que sucumbiu ao glorioso ambiente “favorável” de negócios no Brasil.

Mas qual é a nossa visão de tudo isso?

Primeiramente, o que adoramos dos americanos é que eles são bem pragmáticos. Quando decidem abalar o mercado, o fazem como ninguém. E a Ford fez isso pela segunda vez: a primeira foi quando decidiu interromper a sua produção de caminhões na fábrica de São Bernardo do Campo/SP.

Mais uma vez, o anúncio deles pegou todos de surpresa.

Qual era o cenário que estava sendo desenhado até 31 de dezembro de 2020? Era do pessoal da Ford (gerentes/diretores) vendendo otimismo para a sua rede de distribuidores com os futuros lançamentos do novo Ford Bronco (SUV tipo o Jeep Compass), a volta da Transit (veículo comercial).

A montadora orientou a rede a fazer investimentos (aporte de capital) para se adequar aos novos produtos, abrindo novas lojas e/ou reformá-las, entre outros pontos. Isso sem contar as conversas que tinham com outros elos da cadeia: sistemistas, agências e por aí vai…

A grande surpresa para nós foi exatamente isso: diretores, gerentes e qualquer outro nível da Ford “BRASIL” estavam fazendo grandes planos para os próximos anos. Em nenhum momento esboçaram indicar que talvez a marca pudesse sair do país.

O que parece para nós é que isso foi uma decisão de Detroit, que veio de cima para baixo e pegou todos (mas TODOS mesmo) de calça curta! Ou então, o board Brasil foi de uma canalhice sem fim! Acreditamos 99% na primeira opção, mas sempre tem aquele 1%…

O que ouvíamos dos analistas/investidores lá dos EUA é que a decisão anunciada nesta segunda-feira era quase que uma certeza. Mas, por causa do tamanho e história da marca no Brasil, não acreditávamos…

Então amiguinhos, no melhor estilo Christine Malèvre, a Ford decidiu abreviar o sofrimento de todo mundo.

Mas o que a Ford alega?

Segundo Lyle Watters, presidente da Ford para a América do Sul e Grupo de Mercados Internacionais (ou “o coveiro do momento”):

“…Desde a crise econômica em 2013, a Ford América do Sul acumulou perdas significativas e nossa matriz tem auxiliado nossas necessidades de caixa, o que não é mais sustentável. A recente desvalorização das moedas na região aumentou os custos industriais além de níveis recuperáveis, e a pandemia global ampliou os desafios, gerando uma capacidade ociosa ainda maior, com redução nas vendas de veículos na América do Sul, especialmente no Brasil. Ao mesmo tempo, nosso negócio exige investimentos significativos em novas tecnologias para atender às demandas dos consumidores e itens regulatórios, que estão remodelando a indústria. Olhando o futuro, a indústria automotiva continua sendo ainda mais desafiadora. Essa decisão foi tomada somente após perseguirmos intensamente parcerias e a venda de ativos. Não houve opções viáveis…”

O que é uma verdade… mas não toda a verdade!

De 2013 até o terceiro trimestre de 2020, a operação da América do Sul da Ford acumulou um prejuízo de US$ 5,7 bilhões. Ou seja, foram oito anos consecutivos de prejuízos, sempre na casa das centenas de milhões de dólares.

Contudo, porém, todavia”, se expandirmos a análise do resultado da marca de 2006 até 2020, ela registra uma LUCRATIVIDADE de US$ 112 milhões.

Tivemos um período de bonança entre 2006 e 2012, com um resultado positivo de US$ 5,8 bilhões, contra um prejuízo de US$ 5,7 bilhões no período de 2013 até 2020 (o resultado do último quartil de 2020 deve deixar a operação no zero-a-zero nesses 15 anos de operação).

Entendo perfeitamente que, se após 15 anos uma empresa não registrar lucratividade, a melhor opção é fechar a operação.

Mas o ponto é que o nosso amigo Lyle se esqueceu de comentar algumas coisas:

Ele não comentou a letargia na qual a Ford Brasil estava inserida. Vamos analisar melhor: o primeiro SUV brasileiro foi o glorioso Ford Ecosport lá em 2003, quando se inaugurou um novo mercado.

Mas, 17 anos depois, os veículos eram praticamente os mesmos, sem grandes alterações tecnológicas. E aí, a concorrência veio como uma manada ensandecida!

O segmento mais rentável para as montadoras é o de SUVs, mas a Ford (talvez ainda por causa de resquícios da Autolatina) decidiu que o seu Ecosport seria a nova “Kombi”. Eles só esqueceram de combinar com os russos!

Até a VW percebeu isso e, neste ano, estará com uma gama de quatro SUVs (T-Cross, Nivus, Taos e Tiguan). Já a Ford manteve em produção sua “Kombi”…

O que o Lyle também não citou foi a “burrada” com o câmbio Powershift. E olha que de burrada o estagiário aqui entende MUITÍSSIMO BEM, SIM SENHOR!

O câmbio era tão bom, mas tão bom, que ele só apresentava falhas como: superaquecimento, trepidação, ruídos anormais e desgaste precoce da embreagem dupla, entre “otras cositas más”.

E aí entra aquela máxima: errar uma vez é humano; agora, errar duas vezes é Ford. O que a caboclada da Ford fez? Colocou aquele câmbio zoado nos Fiesta e Focus da vida, e vamos ver o que vai dar. E deu… ruim! Tão ruim que, depois de assumirem a besteira que fizeram com o câmbio, a única solução que eles tinham para o problema era retirar os veículos de produção/circulação.

E aí sobrou para fazermos aqui no Brasil o Ka Hatch e o Ka Sedan. Aquele segmento de veículos de entrada em que marcas e consumidores se digladiam por qualquer percentual de desconto e/ou vantagem, o que gera baixa rentabilidade.

Para encerrar, a venda da linha Ka (Hatch e Sedan) no ano passado foi de pouco mais de 93 mil veículos. E vocês sabem quem foi que arrematou 20% dessa produção? Vou dar uma dica para vocês: É lá de “Belzonte”. E o pessoal lá de Minas – em geral – só compra veículos na bacia das almas.

Olhando agora mais friamente: já tivemos um prenúncio da saída da Ford.

Os modelos aqui fabricados eram as clássicas “jabuticabas”. No seu principal mercado (EUA) a Ford possui a excelência em SUV e na linha F de picapes. Hatch e Sedans como o Ka, Fiesta ou Focus não são comercializados por lá.

A gama de produtos da Ford aqui no Brasil estava defasada e não existia o menor sinal de que a marca investiria algumas centenas de milhões de dólares para desenvolver um novo veículo para o mercado tupiniquim.

Outra coisa que o presidente da Ford América do Sul não falou é da dificuldade de fazer negócios no Brasil.

O grande exemplo vem do estado de São Paulo. No apagar das luzes de 2020, num clássico suspense de Hitchcock (não num comercial de Doriana), e apesar de diversas promessas verbais de que não iria ocorrer, o estado decidiu majorar o ICMS para veículos (tanto novos como usados). O ICMS de carros novos sairá de 12% para “apenas” 14,5%. Já na venda de carros usados, o aumento do ICMS é de 207%, coisa simples, dinheiro de pinga!

A Ford não vai parar de produzir ou montar veículos na América do Sul. Ela só optou por parar de trabalhar na bagunça que é o Brasil. A fábrica da Ford na Argentina (que já faz a Ranger) continua, assim como a operação dela no Uruguai. Da mesma forma que os outros produtos da marca serão importados do México e dos EUA.

Não desmerecendo, mas o pessoal prefere manter a produção na Argentina e no Uruguai (e importar do México) do que produzir no Brasil.

O problema do Brasil é esse: a insegurança jurídica para fazer negócios. Como o caboclo vai me aumentar o ICMS no apagar das luzes de 2020, no estado que representa 30% das vendas de novos e usados? O que vai acontecer é o consumidor fazer a compra do seu carro em outro estado (o que é uma prática extremamente normal no segmento de veículos de luxo).

Mas o ICMS é “um” dos “n” problemas do Brasil: a carga tributária do setor é algo que se assemelha a agiotagem, tem a questão da baixa produtividade do brasileiro, sindicatos…

Além disso, a indústria automotiva investiu algumas dezenas de bilhões de dólares para ter uma capacidade fabril de quase 6 milhões de unidades. Mas não conseguirmos comercializar nem 1/3 dessa capacidade.

Isso é Brasil. O último que sair, por favor, apague as luzes!

Fonte: https://www.infomoney.com.br/

Foto: Reprodução de internet

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