19 de outubro de 2017

Quem ganha com a Indústria do Mero Aborrecimento?

Os juizados especiais foram fundados para agilizar demandas de menor complexidade e valor.

Virou, principalmente durante os anos de crescimento do poder de consumo das classes C,D e E, um importante instrumento no combate à má prestação de serviços e dos problemas inerentes ao comércio.

A explosão do consumo no Brasil fez transbordar nos Juizados um número de demandas judiciais proporcional, levando mensalmente aos cartórios dezenas de milhares de novos processos.

À época, as empresas demandadas, em sua maioria, eram prestadoras de serviço ou grandes lojas do comércio a varejo. As denúncias, milhares delas, dividiam-se em poucos padrões.

Reclamavam os consumidores do descaso no corte arbitrário da energia elétrica mesmo diante do pagamento comprovado; da demora da entrega de eletrodomésticos fundamentais para a vida moderna; do repentino mal funcionamento de produtos comprados; da cobrança indevida dos bancos. Entre alguns outros padrões, nada muito novo.

O dano material, seja pelo pagamento de uma cobrança indevida ou por qualquer outra hipótese oriunda da relação comercial, era devolvido na forma da lei.

Já o dano moral, punia a empresa pelo transtorno causado ao consumidor e pretendia, pedagogicamente, fazer entender à empresa que a boa prestação do serviço ou a atenção para a venda do produto em bom estado é mais lucrativa para ele.

Nos anos 2000, este valor que indenizava o transtorno do consumidor e punia a empresa, seguindo o objetivo de obrigá-la a aprimorar seu serviço era muito satisfatório ao consumidor e, em determinados casos, excessivo para a empresa.

Depois, passados cinco anos, a balança começou a inverter. Mesmo nos mais escabrosos casos, o dano moral passou a ser minorado nas turmas recursais.

Em 2010, a balança já curvava para o lado contrário. Já no primeiro grau, as mesmas condenações que outrora causavam prejuízo às empresas que não investiam em seu aprimoramento passaram a valores irrisórios.

Mas o que percebemos nas sentenças posteriores a 2015 é que, os mesmos problemas narrados antes, as mesmas denúncias tratadas com o rigor que a lei exige, passaram a ser consideradas um "mero aborrecimento".

Penso nas empresas, nas lojas ou prestadoras dos mais variados serviços e comparo com a qualidade de suas atividades comerciais de antes. Nada mudou.

Mesmo com grandes condenações, nada mudou. Até após as primeiras reduções nas condenações, nenhuma curva de investimento na satisfação de seus clientes foi notada.
Mas hoje, mesmo sem calculadora do lado, o que percebemos é que as reiteradas condenações de "mero aborrecimento", causam lucro para essas empresas.

O consumidor que antes lotava os Juizados com esperança de ter ali seu pequeno conflito resolvido, passou a entender que o Princípio de Acesso à Justiça não é bem efetivo assim.

A demora para as sentenças dessas simples causas passam de 12 meses e quando recebem a frustração de seus pleitos em sentença, desanimam cada vez mais de buscar a tutela jurisdicional.

Perde, óbvio, o cidadão comum que fica com seu ônus sem a devida indenização. Perde, lógico, o advogado que ajudava a levar Justiça ao cliente. Perde também o advogado que defendia a empresa.

A OAB/RJ realizou diversos cursos, debates e audiências públicas para debater o caso. Encomendamos um parecer que, para além do discurso sociológico, aborde tecnicamente a questão do Dano Moral para realizarmos um grande encontro onde apresentaremos a nossa versão do assunto.

Afinal, quem é que ganha com a Indústria do Mero Aborrecimento?

Por: Felipe Santa Cruz, Presidente da OAB/RJ.

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