Por Marcello Muniz: Sou amante de sambas de enredo, e aos mais próximos sempre fiz esse comentário sobre o ano de 1976, ter sido algo fora do normal no que diz respeito a safra dos sambas produzidos pelas agremiações naquele ano. Quando vi esse artigo, o qual parabenizo, não pude deixar de posta-lo aqui em meu blog, pois muito me identifico, ainda que parcialmente, com os pensamentos expressados.
Fonte: http://www.sidneyrezende.com
"O domingo começou com muito samba, a coleção de discos do carnaval carioca tocava seus grandes sucessos e uma ideia arrebatou coração e mente, Qual ou quais seriam os grandes anos do disco de sambas enredo do carnaval desta cidade maravilhosa, aquele momento em que tivemos tantos sambas de alta qualidade que não poderíamos mensurar o seu valor ou aquele carnaval que seus sambas até hoje vivem na memória popular, Por onde estaria guardado o melhor de nossos carnavais?
Poderíamos escolher o ano de 1968? Ou quem sabe 1971? 1969 parece-me imbatível! 1970, o ano da Portela, é um grande momento como também é 1972, mas o coração bate mais forte quando a decisão se inclina para o ano de 1976, o carnaval que ainda não acabou...
Talvez não seja o melhor ano em quantidade, pode ser que até em qualidade não seja o mais agraciado, mas em nenhum ano, desde o começo das gravações, tivemos uma safra tão atípica positivamente quanto a do ano de 1976. Posso até, envolvido pela emoção, está errado, mas em qual ano tivemos entre os melhores sambas, quatro sambas de escolas conhecidas na época como "pequenas" ou de menor poder financeiro, lembro que no carnaval em questão eram consideradas grandes escolas: Portela, Estação Primeira de Mangueira, Império Serrano e Acadêmicos do Salgueiro só e somente elas e neste seleto grupo, apesar de termos um ou outro samba interessante, não temos uma obra-prima. As grandes obras estavam, podemos dizer, no lado de baixo da tabela e vieram para eternizar suas escolas.
Sem querer polemizar, mas na impossibilidade de negar o óbvio, podemos observar que dos cinco melhores sambas do ano apenas um conseguiu ajudar a sua escola a ficar nas primeiras posições, neste caso em terceiro lugar. O samba da Mocidade Independente, na época uma escola em ascensão mas não uma grande, é uma pérola e um dos melhores de seu rol de grandes sambas e não poderia ser diferente, composto por Toco, um dos maiores compositores da independente de Padre Miguel. A homenagem a mais conhecida mãe de santo da capital baiana resultou em um samba leve e com um tempero todo especial, um luxo só.
De volta aos quatro sambas que tornaram esta safra tão atípica, percebemos que destes apenas um não caiu com a sua escola, o hino da Unidos de São Carlos, hoje Estácio de Sá. A Arte negra na legendária Bahia é mais um dos sambas que fizeram da vermelho e branco do famoso bairro carioca uma das maiores neste quesito, por muito tempo samba de qualidade foi a regra por lá, quase sem exceção, a grandeza desta obra a colocaria como o melhor samba do ano em uma temporada considerada normal, porém 1976 não teve nada de normal e o grande samba cantado por Dominguinhos do Estácio e reeditado em 2005 fica com a terceira colocação no quadro dos melhores.
Antes de falar nos dois melhores sambas dessa safra, é bom salientar que a quinta força neste quesito foi a Lins Imperial, com um samba denso, melodicamente rico e um refrão final de muito bom gosto, e que neste mesmo ano uma revolução visual iniciava pelas mãos de um gênio e capitaneada no menor município da Baixada Fluminense.
O Galo de ouro da Leopoldina chegou com um enredo fascinante, o que possibilitou a criação de uma verdadeira obra prima: O Mar baiano em noite de gala. Uma pedra, uma concha/ pedra e concha tem areia/ quem mora no fundo do mar é sereia... é lindo, a Unidos de Lucas não se fez de rogada e reeditou este fora de serie em 2005, um clássico e só perde para Sublime pergaminho no rol de seus melhores sambas, seria o melhor se não fosse o improvável, o simples, que de tão simples permeia o perfeito: Os Sertões.
Quem conhece a fundo a obra de Euclides da Cunha sabe muito bem de sua complexidade onde conflitos, angustias e o determinismo racial estão presentes a cada momento. Os três tomos desta epopeia: o Homem, a Terra e a Luta surgem claros na letra de um dos três mais belos sambas de todos os tempos e que já fora tema deste colunista. O que é interessante deixar claro é que o enredo não é somente sobre a guerra de Canudos propriamente, somente a 2ª do samba e o refrão principal abordam claramente a luta dos jagunços do Arraial de Canudos, os fiéis de Antônio Conselheiro, e o poder vigente representado pelas expedições do Exército Brasileiro.
E como que por redenção o samba mais bonito da Em Cima da Hora volta para cumprir missão das mais difíceis, que é sustentar a sua escola na volta ao grupo de acesso. E para comprovar a qualidade da safra de 76 é só perceber que dos três melhores sambas somente um ainda não havia sido reeditado, ainda, é só esperar 2014 e poder ver e ouvir o ano que não acabou e o povo cantando, sorrindo e chorando: Marcados pela própria natureza..."
Em Cima da Hora 1976:
Marcado pela própria natureza
O Nordeste do meu Brasil
Oh! solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar
Sertanejo é forte
Supera miséria sem fim
Sertanejo homem forte (bis)
Dizia o Poeta assim
Foi no século passado
No interior da Bahia
O Homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia
Os Jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos (bis)
Naquela guerra fatal
Na minha opinião o segundo melhor:Império Serrano 1976:
O mar, misterioso mar
Que vem do horizonte
É o berço das sereias
Lendário e fascinante
Olha o canto da sereia
Ialaô, Okê, laloá
Em noite de lua cheia
Ouço a sereia cantar
E o luar sorrindo
Então se encanta
Com a doce melodia
Os madrigais vão despertar
Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço das ondas
A paz ela semeia (bis)
Toda a corte engalanada
Transformando o mar em flor
Vê o Império enamorado
Chegar à morada do amor
Oguntê, Marabô
Caiala e Sobá
Oloxum, Inaê (bis)Janaína, Iemanjá
São Rainhas do Mar...
O campeão do ano:
Beija-Flor 1976:
(...)Sonhar com filharada... é o coelhinho
Com gente teimosa, na cabeça dá burrinho
E com rapaz todo enfeitado
O resultado pessoal... É pavão ou é veado
Mangueira 1976:
(...)Obaba-ola-o-babaÉ a mãe do ouro que vemNos salvar(...)
Mocidade 1976:
(...)Oh, minha mãe Menininha
Vem ver, como toda cidade
Canta em seu louvor com a Mocidade
Unidos de Lucas 1976:
(...)Uma pedra, uma conchaPedra e concha têm areiaQuem mora no fundo do mar é sereia
(...)Muçurumim, nagôOmolokô, Congo e GuinéAtotô de Zambi-rei do Candomblé
Estácio de Sá 1976:
(...)Iorubá, Bantos, GegêsNo terreiro dançavamSamba e batuquegê
(...)Saravá, Atotô ObaluaiêYemanjá, Ogum, Oxumarê
Salgueiro 1976:
(...)Ô-ô-ô-ô, quando o tumbeiro chegou, Ô-ô-ô-ô, o negro se libertou
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